O que as instituições financeiras têm a ver com o avanço das mudanças climáticas e com a desigualdade social? Para Lucie Pinson, diretora-executiva da Reclaim Finance, ONG com sede na França afiliada à Friends of the Earth (Amigos da Terra), elas têm tudo a ver. E os esforços dessa executiva é o de, justamente, buscar responsabilizá-las, principalmente os bancos, pela deterioração ambiental, que coloca em risco a vida de todas as espécies e, também, pelas injustiças sociais.
Segundo a executiva, isso ocorre a partir do momento em que essas instituições não cumprem seus objetivos declarados de descarbonização de investimentos. “Nossa atitude é muito prescritiva. Nós sabemos exatamente que tipo de medidas queremos que os bancos adotem para gerar um impacto real nas principais cadeias de valor do mundo real, de forma a realmente deixar de apoiar a expansão do setor [de combustíveis fósseis] e impulsionar sua eliminação gradual”, disse, em entrevista à Folha de S.Paulo.
Ou seja: em vez de financiarem projetos mais sustentáveis, para fomentar as energias alternativas, de fontes mais limpas, essas instituições acabam liberando recursos para projetos energéticos baseados em combustíveis fósseis que gerarão impactos por décadas. Em contrapartida, esses projetos são quitados no curto prazo e, portanto, não deixam sequer rastros nos relatórios de sustentabilidade.
À Folha, Lucie disse que essa postura joga pressão sobre os bancos centrais, cujo papel tem sido restrito ao controle da inflação, sem olhar com lupa as suas causas. Hora ou outra, segundo ela, eles terão de assimilar em suas normas preventivas o fato de que a inflação também tem raízes na dependência das economias nacionais em relação aos poluentes do clima, como petróleo, carvão mineral e gás natural.
Para uma mudança desse estado de coisas, os bancos centrais precisam abandonar a abordagem neutra em relação à economia, abandonando o modelo americano de regulação, que só leva em conta os riscos financeiros de investimentos em setores mais e mais insustentáveis em face da emergência climática. As autoridades monetárias devem, portanto, apoiar todos os setores da mesma forma.
“No entanto, sabemos que uma abordagem neutra, por definição, apoia o status quo, ou seja, beneficia as grandes empresas de combustíveis fósseis e, assim, piora a situação”, disse.
Guerra na Ucrânia impactou setor de energia, com ressurgimento do setor de carvão e impactos nas mudanças climáticas
Lucie disse que houve um ressurgimento do carvão após o início do conflito da guerra da Rússia contra a Ucrânia, no ano passado, pois a guerra mexeu com o mercado de energia na Europa. No entanto, ela disse que ainda é cedo para dizer se esse aumento veio mesmo para ficar.
Mas, em relação ao financiamento de atividades nesse setor, ela acredita que grande parte das instituições financeiras “está comprometida em não apoiar a construção de novos projetos de carvão”.
“O que realmente importa é até que ponto a infraestrutura de carvão atual continuará a ser usada. Ela será usada em grande escala, como vimos no ano passado, ou vamos organizar fechamentos nos próximos anos para buscar um alinhamento à meta de 1,5°C [de aquecimento do planeta, objetivo do Acordo de Paris]?”, questionou.
Na entrevista, ela ainda mencionou um estudo em que as instituições financeiras integrantes da Aliança Financeira de Glasgow para o Zero Líquido, que nasceu na COP26 (Conferência do Clima de Glasgow, na Escócia), se comprometeram a alinhar suas carteiras de financiamento à meta de 1,5°C e a zerar suas emissões líquidas (net zero) até 2050.
Ao analisar as transações do setor de energia, foi verificado que 56 dos principais membros da aliança forneceram US$ 270 bilhões à expansão de combustíveis fósseis em 134 empréstimos e mais de 200 transações. “Parece que, com muita regularidade, as instituições financeiras estão quebrando suas próprias promessas relativas ao clima”, lamentou.
A análise também detectou que as metas de descarbonização são definidas para 2030. “Quando um empréstimo é fornecido a uma empresa, é de curto prazo, algo que será pago no período de três a cinco anos. Portanto, mesmo se um banco fornecer financiamento a uma empresa que esteja ativamente desenvolvendo novos projetos de petróleo, gás e carvão, aquele banco ainda pode permanecer no caminho certo para atingir suas metas. O empréstimo desaparecerá de sua carteira quando a meta for atingida em 2030”, explicou.
Ela reconheceu que a meta de 1,5°C representa um grande desafio, mas não está fora de alcance. “No entanto, estaremos fadados ao fracasso se os bancos e instituições financeiras não revisarem muito rapidamente suas políticas de empréstimos, subscrições e investimentos”, alertou.
Redação ICL Economia
Com informações da Folha de S.Paulo