O Congresso Nacional deu um duro golpe ontem (14) na população indígena do Brasil, ao derrubar o veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Veto 30/2023) ao marco temporal para a demarcação de terras desses povos (Lei 14.701, de 2023), deixando-as menos protegidas por lei do que estavam no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Foram derrubados 41 dos 47 vetos que Lula havia imposto à lei do marco temporal, aprovada em setembro. Com isso, está valendo a regra de que os indígenas só têm direito a terras que ocupavam em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.
Senadores e deputados votaram o veto de maneira fatiada e devolveram à lei o trecho que dá nome ao projeto, ao definir as “terras indígenas tradicionalmente ocupadas” como aquelas “habitadas e utilizadas” pelos indígenas para suas atividades produtivas na data da promulgação da Constituição.
Esse ponto específico foi analisado individualmente, por meio de destaque que recebeu 53 votos pela rejeição e 19 pela manutenção no Senado, e 321 votos pela derrubada e 137 pela manutenção na Câmara dos Deputados.
A lei prevê outras mudanças que também prejudicam os indígenas, além do marco temporal. Alguns trechos criam regras inéditas, que facilitam a exploração econômica das terras sem consentimento dos povos, dificultam novas demarcações e ameaçam as já consolidadas.
Com as mudanças aprovadas, a proteção às terras indígenas fica menor do que nos governos anteriores, desde 1988, ou seja, as gestões de Bolsonaro (2019-2022), Michel Temer (2016-2018), Dilma Rousseff (2011-2014), Lula 1 e 2 (2003-2010), Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), Itamar Franco (1992-1995), Fernando Collor (1990-1992) e José Sarney (1985-1990).
Apenas seis vetos de Lula foram acatados pelos parlamentares. Esses trechos permitiam o cultivo de transgênicos em terras indígenas, enfraqueciam a proteção a povos isolados e previam a perda do território em caso de “alteração dos traços culturais da comunidade indígena”. Mas perderam a validade, já que o Congresso aceitou o não do presidente da República.
O marco temporal teve origem em projeto de lei (PL 2.903/2023) apresentado pelo ex-deputado Homero Pereira (MT) e aprovado pelo Senado em setembro passado, sob relatoria do senador Marcos Rogério (PL-RO), com 43 votos favoráveis e 21 contrários.
Contudo, o projeto foi vetado pelo presidente Lula, sob o argumento de que os vetos eram necessários em razão da decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), que considerou inconstitucional a tese do marco temporal das terras indígenas.
Governo diz que Ministério dos Povos Indígenas vai acionar STF contra decisão sobre marco temporal
Em nota enviada ao UOL, o governo informou que o STF (Supremo Tribunal Federal) é contra a lei e que o Ministério dos Povos Indígenas afirma que vai acionar a Suprema Corte para garantir a validade da decisão tomada por ela mesma, em setembro, que declarou inconstitucional a tese do marco temporal.
O líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), reforçou que a demarcação foi pacificada pela Constituição de 1988 e que o direito à posse da terra pelos povos originários foi também afirmado recentemente pela ampla maioria dos ministros da Suprema Corte.
“O presidente Lula aportou veto a esse tema com muita consciência de que esses povos vinham sendo desrespeitados em todos os seus direitos. Compreendemos que não há dúvida sobre o que está escrito no texto da Constituição. Por isso, nosso voto é ‘sim’”, declarou Randolfe, durante a votação.
Os parlamentares de oposição, por sua vez, defendem a tese de que, manter o veto traz insegurança jurídica. Mas, obviamente, pesou durante a votação o lobby da bancada ruralista, como deixou claro o senador Marcos Rogério. “Não podemos viver em um país que desrespeite a tradição, que desrespeite a tradição jurídica. E esse é o momento em que o povo brasileiro, o setor produtivo, contava com o Congresso Nacional para derrubar o veto ao marco temporal e garantir segurança jurídica para quem está no campo produzindo, segurança jurídica para quem está na terra. Nós não queremos violência. Nós queremos paz no campo e paz para quem está trabalhando e produzindo alimentos para o Brasil e para o mundo”, disse.
Outra bolsonarista a votar a favor da derrubada do veto, a ex-ministra da Agricultura do governo Bolsonaro, Tereza Cristina (PP-MS), celebrou a decisão. “Hoje trouxemos a paz para o campo, a paz para as cidades, a paz para o Brasil.”
Redação ICL Economia
Com informações da Agência Senado e UOL