Esqueça o emprego com carteira assinada. A onda agora é ter a profissão influencer digital. Muitas pessoas, incluindo as mais pobres, têm se endividado para cair no conto do vigário da chamada “pirâmide aspiracional” vendida por gente do tipo do candidato a Prefeitura de São Paulo, conhecido como “coach do golpe”, Pablo Marçal.
A estratégia a simples: convencer você a comprar um curso, mudar seu “mindset” e a ter um “propósito”. E, caso você não chegue lá, a culpa é sua, que não se esforçou bastante. Trata-se de uma produção em série de gente individualista, que faz tudo para si e dane-se o coletivo.
Um estudo inédito obtido pela BBC News Brasil, de pesquisadores da University College Dublin (UCD), monitora 32 mil aspirantes a influencers no marketing digital no Instagram, e aponta riscos da “pirâmide aspiracional” para mais vulneráveis.
O foco da pesquisa foi entrevistar e fazer estudos de casos com grupos de baixa renda que trabalham como autônomos, com contratos sem garantia de direitos trabalhistas ou estão desempregados.
“São pessoas vulneráveis que caem no discurso”, afirmou a antropóloga brasileira Rosana Pinheiro-Machado, que liderou o estudo. “Uma grande parte das entrevistas aponta para uma expectativa grande em torno de ganhar muito dinheiro, para viver bem. Mas também tem um número significativo de pessoas dizendo que vai fazer milhões”, disse.
Embora desconhecido da maioria dos paulistanos, Marçal já era bem conhecido no mundo digital, onde ganhou notoriedade durante a pandemia de Covid-19. Com todo mundo trancado em casa devido à quarentena sanitária, o “coach” que não gosta de ser chamado assim, mas de “mentor”, quebrou a banca vendendo cursos que prometiam ganhos financeiros rápidos.
Além de CEOs de empresas em busca de um propósito, o público que compra os cursos de Marçal também é formado por gente que aspira ganhar mais dinheiro e seguidores na internet, incluindo médicos, dentistas, pequenos comerciantes e aspirantes a empreendedores.
Quem usa redes sociais sabe que há uma infinidade de gente vendendo várias promessas, mas esse campo carece de dados oficiais. O Ministério do Trabalho, por exemplo, não tem ideia de quantas pessoas estão neste setor. E as grandes empresas do ramo, como Meta (Instagram, Facebook e WhatsApp) e TikTok, não abrem os números.
Estudo de universidade irlandesa se debruça sobre o mundo de coach no marketing digital
O estudo elaborado pelos pesquisadores da University College Dublin (UCD) mergulhou nesse universo por dois anos e acompanhou os 500 maiores influenciadores de marketing digital do Brasil.
Foram analisados os perfis de 1 milhão de pessoas que fizeram algum dos cursos desses influenciadores ou manifestaram interesse em fazer, chamadas no estudo de aspirantes a empreendedores.
O trabalho, que envolveu coleta de dados e entrevistas mais aprofundadas, foi liderado pela antropóloga Rosana Pinheiro-Machado, que escreveu artigo sobre o tema para o UOL. Ela é professora titular da UCD e diretora do Digital Economy and Extreme Politics Lab (Laboratório de Economia Digital e Extremos da Política), e teve financiamento do Conselho Europeu de Pesquisa (ERC).
Algumas das descobertas do estudo foram:
- 13 milhões de pessoas estão empreendendo no Instagram hoje no Brasil, por meio das contas comerciais;
- Somente 54% daquelas com conta comercial usam funcionalidades específicas para quem quer fazer negócios;
- Um quarto da população economicamente ativa do país já busca fazer dinheiro no Instagram.
“Muitas pessoas nem sabem fazer uma business account“, disse Rosana Pinheiro-Machado. “Por isso, estimamos que a quantidade de gente usando o Instagram para vender algum produto no Brasil, hoje, é muito maior, girando em torno de 25 milhões.”
Segundo a antropóloga, as condições precárias de trabalho no país levam muitos a quererem ser empreendedores de si mesmo. “A lógica da pessoa querer ser chefe de si mesma, em um país onde muitos empregos estão marcados pela lógica da humilhação, é muito libertadora”, analisou.
Padrões de discurso
O estudo também fez descobertas sobre a maneira como a maior parte dos influenciadores opera e seus padrões do discurso.
Entre eles, destacam-se:
- Aversão ao emprego formal regido pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) — vista como limitadora;
- Críticas à formação superior;
- Reforço de valores ligados à religião cristã e à família tradicional (no duo “homem valoroso, mulher virtuosa”);
- Ostentação de valores materiais ao exibirem mansões, carros e relógios de luxo e até mesmo resultado de procedimentos estéticos;
- Em geral, os influenciadores analisados se alinham a valores conservadores.
Trecho do relatório diz haver “uma notável ausência de vozes divergentes, progressistas ou à esquerda nesta esfera”.
Estudo monitorou mais de perto perfil de 32 mil pessoas
De 1 milhão de contas compiladas, a pesquisa monitorou mais de perto 32 mil perfis que manifestaram interesse ou efetivamente fizeram algum curso de marketing digital, independentemente de qual ou com quem, para aumentar sua presença nas plataformas.
Os resultados e as análises desses números mostram o seguinte:
- Somente 1,2% dos perfis monitorados ganhou seguidores de fato, saindo da classificação de “aspirantes” para o posto de influenciadores, com mais de 5 mil seguidores.
Segundo Rosana, os mais vulneráveis são mais propensos a cair na armadilha, pois “têm menos opções profissionais e estão privados de várias capacidades, o que os torna mais vulneráveis aos impactos do mundo do marketing digital não regulamentado”.
Outro achado do estudo é um rígido esquema ditado por uma infraestrutura baseada em algoritmos que empurra os participantes a querer crescer. Para isso, além dos cursos, devem investir em tráfego pago para as plataformas.
“É deste universo que vem o Pablo Marçal. Em muitos sentidos, ele é a personificação do mundo do marketing digital e suas visões ideológicas”, frisou, dizendo que o “coach” ou “mentor” que tem chances de se tornar prefeito de São Paulo, foi citado como modelo a ser seguido por alguns dos entrevistados do estudo, em cidades tão distantes como Manaus (AM) e Porto Alegre (RS).
Sócio ou dono de um emaranhado de empresas, de diferentes segmentos, Marçal declarou ter um patrimônio de R$ 169 milhões ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Mas tanto ele quanto suas empresas são alvos de 162 processos judiciais. Os pedidos de indenização chegam a R$ 172 milhões
Redação ICL Economia
Com informações da BBC News Brasil e UOL