O atraso na votação de projetos importantes para o governo Lula pode ter como pano de fundo um desentendimento entre o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-CE). O ruído na relação entre Lira e Haddad teria começado com uma conversa sobre taxação de offshores, empresas sediadas em paraísos fiscais para fugir da tributação no país, segundo reportagem do jornal Folha de S.Paulo.
O azedamento na relação ganhou novo elemento após uma entrevista de Haddad ao podcast do jornalista Reinaldo Azevedo, o Reconversa, em que ele comentou que a Câmara dos Deputados tem um “poder muito grande”, o que teria gerado descontentamento no presidente da Casa.
Contudo, a reportagem da Folha relata que o atrito teria começado em uma conversa por telefone entre os dois, na sexta-feira passada (11), para tratar da inclusão da taxação de offshores dentro do projeto de reforma tributária, medida considerada crucial pela Fazenda para dar maior isonomia tributária e reforçar as receitas do Tesouro em 2024, quando o governo tem a meta de zerar o déficit fiscal.
Segundo fontes ouvidas pela Folha, Lira deixou claro na conversa que resiste ao avanço da medida, posicionamento que gerou incômodo e irritação na equipe econômica.
A entrevista ao programa Reconversa, gravada na noite de sexta e na qual Haddad faz críticas à Câmara, foi concedida após esse ruído de comunicação entre os dois.
Lembrando que o ministro da Fazenda, até aqui, vinha sendo muito elogiado pela boa articulação com o Congresso. A essa boa relação teria sido creditada as vitórias do governo em matérias importantes.
O bom entendimento era um ponto de equilíbrio na relação entre governo e Câmara, justamente em um momento em que o chamado Centrão, liderado por Lira, pressiona o Executivo por mais participação no governo.
A tributação das offshores tramita no Congresso em uma MP (medida provisória) que tem validade até 27 de agosto, como compensação à renúncia fiscal gerada pela correção da tabela do IRPF (Imposto de Renda da Pessoa Física). Se não for votado até lá, o texto expira, e o governo precisará enviar um projeto de lei.
Para Eduardo Moreira, rixa entre Lira e Haddad só mostra, mais uma vez, de que lado o presidente da Câmara está
O economista e fundador do ICL (Instituto Conhecimento Liberta), Eduardo Moreira, não se mostrou surpreso com a reação de Arthur Lira na conversa com Haddad. “Lira, mais uma vez, saiu em defesa do povo que ganha muita grana. Enganou-se quem acha que o Lira é amigo do povo brasileiro. Ele está lá para defender o povo do capital, quem tem muito dinheiro lá fora do país”, disse na edição desta terça-feira (15) do ICL Notícias, live diária transmitida via redes sociais.
Moreira ainda enfatizou a “maneira absurda” como o atrito começou, quando, descontente com a fala de Haddad no podcast de Azevedo, o presidente da Câmara acabou comprovando que, de fato, o ministro da Fazenda teve razão ao dizer que o “Parlamento tem muito poder”. “O Lira vem e diz ‘como assim o Parlamento tem muito poder? Então, por causa disso não vamos votar o que você quer’. Ou seja, está comprovando a tese do Haddad”, disse Moreira.
Na opinião do economista, o governo tem razão em querer taxar offshores, pois são empresas que vivem dentro de uma lógica perversa do capital. “Essas empresas colocam seu dinheiro fora do Brasil para: 1) conseguir fugir da taxação daqui no Brasil; 2) conseguir ter sigilo dos recursos que têm e das operações que fazem; 3) ficar fora do alcance da legislação e ter proteção patrimonial em todos os sentidos. Quem tem dinheiro lá fora quer esconder o que tem, sonegar e não acredita que o Brasil pode oferecer segurança jurídica e econômica. É um absurdo, porque ele ganha dinheiro aqui, às custas do trabalho de quem acorda cedo em todos os cantos do Brasil e gera riqueza que se acumula nas mãos de poucas pessoas”, disse.
A fim de evitar que a Câmara perca o prazo da votação da medida das offshores, o relator da MP do salário mínimo, deputado Merlong Solano (PT-PI), incluiu o texto da MP das offshores em seu parecer, que já foi aprovado pela comissão mista. Agora, o texto precisa passar pelos plenários da Câmara e do Senado.
Ainda segundo a Folha, essa saída gerou descontentamento a Lira, que exerce menos influência sobre as comissões mistas e inclusive tem tentado mudar o rito de tramitação das MPs.
À Folha, Solano disse que Lira ainda não sinalizou quando a MP será incluída na pauta da Câmara. “Ele disse: ‘Há problemas que não estão resolvidos'”, afirmou o deputado sobre seu diálogo com o presidente da Câmara.
Redação ICL Economia
Com informações das agências de notícias e da Folha de S.Paulo