Dentro do acordo comercial que vem sendo costurado com a Europa, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pretende permitir que empresas europeias possam competir de igual para igual em licitações públicas no Brasil, um mercado avaliado em US$ 150 bilhões por ano. Porém, depois de alerta de um segmento dentro do Executivo devido aos riscos de maior vulnerabilidade ao SUS (Sistema Único de Saúde) e ao setor público, o governo pretende incluir na proposta dispositivos para proteger o sistema público de saúde brasileiro.
Segundo reportagem publicada no UOL, com uma pressão por parte do Ministério da Saúde, o tema acabou sendo levado para a Casa Civil para que o Palácio do Planalto arbitrasse.
Lula passou a sinalizar que não permitirá a conclusão de um acordo comercial que amplie a dependência da indústria nacional. O presidente colocou como objetivo que 70% dos medicamentos, equipamentos e vacinas que abasteçam o SUS até 2033 sejam produzidos no país. Durante a pandemia, os brasileiros que dependiam de remédios do SUS se depararam com a escassez de medicamentos.
Pelo acordo com os europeus, pequenas e médias empresas nacionais teriam uma margem de vantagem. Ainda assim, em uma escala insuficiente.
Durante as negociações, exceções foram criadas em alguns setores para proteger as empresas brasileiras. Mas, quando o novo governo Lula assumiu, a constatação é de que tais mecanismos não são suficientes.
Após a guerra por respiradores, vacinas, testes e outros remédios durante a pandemia da Covid-19, governos em todo o mundo abriram um intenso debate sobre as políticas de abastecimentos para seus respectivos setores de saúde e hospitais. A constatação de dezenas de países foi de que, sem uma indústria nacional, sociedades inteiras ficaram dependentes e vulneráveis ao abastecimento externo.
Em abril, o governo Lula anunciou a retomada de mecanismos que tinham sido criados em 2008 para construir uma política nacional de abastecimento de remédios e inovação, conhecido como Grupo Executivo do Complexo Econômico-Industrial da Saúde.
Reduzir o déficit comercial de remédios foi sempre um objetivo nos dois primeiros mandatos de Lula como presidente. Hoje, porém, o Brasil importa 90% de todo o insumo para remédios e vacinas.
No total, o déficit comercial do setor da saúde é de US$ 20 bilhões. A única área da economia que soma um déficit ainda maior é a de eletrônicos.
Acordo comercial com europeus vem sendo negociado desde 2018
O UOL apurou que o mandato para que o Itamaraty negociasse esse acordo comercial foi aprovado em meados de 2018. Mas passou por cima das posições do Ministério da Saúde e Ministério de Ciência e Tecnologia. Naquele momento, membros do governo Lula estimam que o risco com o novo acordo com a UE é de que o tratado acabe com a política nacional de inovação e tecnologia em saúde e com o novo marco para inovação.
Quando Bolsonaro assumiu, um ano depois, seu governo seguiu adiante com a negociação, mas sem voltar a consultar os demais órgãos.
Dentro do governo Lula, o temor é de que os europeus encontrem vasta facilidade para ficar com contratos em enormes licitações abertas nos próximos anos. Existem elementos específicos no acordo que garantem períodos de transição e permitem que algumas das aberturas ocorram apenas em oito ou quinze anos.
Porém, na avaliação do atual governo, isso não pode ser chamado de “flexibilidade”. O entendimento seria apenas para dar tempo para reverter a política brasileira e acabar com os instrumentos de fortalecimento do SUS, seja pela produção local ou pela inovação.
Entre diplomatas e membros do Ministério da Saúde, as exceções estabelecidas no texto do acordo não são suficientes e não cobre todos os pontos da política e inovação.
Alguns chegam a alertar que, para preservar a política industrial no setor de remédios, a única solução seria retirar o Ministério da Saúde por completo do acordo e desobrigá-lo a abrir contratos sempre para todas as empresas europeias.
Redação ICL Economia
Com informações do UOL e das agências de notícias