Artigo de Deborah Magagna e André Campedelli *
Entre os diversos assuntos econômicos dos últimos meses, poucos tiveram mais destaque e afetaram
tanto o mercado quanto a esperada reunião do FOMC, que definiu na última semana a manutenção da
taxa básica de juros nos Estados Unidos. A cada novo dado da economia norte-americana, mudavam-se as perspectivas e as especulações sobre alta ou manutenção do patamar atual das taxas voltavam.
E isso afetou a economia real e as bolsas de valores do mundo inteiro e, com o novo comunicado do FED, tal cenário deve permanecer até pelo menos a próxima reunião de dezembro. E tudo isso só acontece por um motivo: a única forma que os governos usam atualmente para controlar a inflação se chama variação da taxa básica de juros.
Isso tudo tem uma razão. A inflação é vista como um problema de demanda por bens e serviços acima
da capacidade de oferta que a economia possui em determinado tempo. Sendo assim, é preciso que se
utilize a política monetária como ferramenta para não permitir que a demanda fique acima da
capacidade máxima de oferta. Isso é o chamado Hiato do Produto, ou seja, ele deve ser zero ou menor
que zero, pois o hiato é justamente a diferença entre a demanda e o chamado produto potencial, ou
seja, a capacidade máxima de oferta da economia.
Então, devido a esta teoria que se consolidou nos anos 1980 e 1990, o combate inflacionário é feito
dessa maneira em todos os lugares do mundo, com poucas ou nenhuma ferramenta para além da taxa
básica de juros. E com isso se consolidou como se fosse a única alternativa a tal combate inflacionário.
Porém, se formos observar de fato, o que acontece é que, qualquer que seja o motivo para o aumento
da inflação, sempre ocorre o mesmo tratamento, que é retrair a atividade econômica, gerando queda
do emprego e da renda.
Mas cada vez mais temos economistas que acreditam que tanto esse entendimento da inflação como o
seu combate são equivocados. Até mesmo economistas liberais estão revendo suas posições mundo
afora. O caso mais famoso no momento foi o de Olivier Blanchard, a pessoa que escreveu os manuais
de economia usados no mundo todo, com viés liberal, e que foi presidente por anos do Fundo
Monetário Internacional. O economista falou sobre o peso dos custos e do conflito distributivo na
formação dos preços e pontuou que tal questão é muitas vezes ignorada pela teoria usual.
Então, temos cada vez mais economistas que observam que a inflação é resultado meramente dos
aumentos de custo da produção, que não é resultado de um desequilíbrio econômico geral, mas sim de problemas microeconômicos pontuais que acabam afetando o custo de produção e, consequentemente, aumentando o preço final de bens e serviços. E, caso realmente a inflação tenha
essa origem, toda a forma de controle inflacionário está sendo feita de maneira incorreta. E o pior:
gerando danos ao crescimento econômico mundial.
Mas a pergunta que vem é: se tal modelo está equivocado, qual o motivo de a taxa de juros conseguir
reduzir de fato a inflação na maioria das vezes? A resposta é simples. Ela não ataca a fonte, mas ataca a economia de uma maneira geral. Quando se eleva a taxa de juros, você dificulta o funcionamento da
economia como um todo, com aumento do custo do crédito, aumento do lucro necessário para ser
rentável para uma empresa, redução da atividade econômica, queda do emprego e da renda da
população. E assim funciona. O paciente está com febre e você dá um remédio que ataca o corpo de
maneira muito forte. Você quase mata o paciente, mas elimina a febre. O paciente saiu altamente
debilitado da situação, mas a febre foi curada.
Então, acredito que passou da hora de os economistas progressistas, heterodoxos mudarem o discurso, não baterem somente na tecla de que é preciso ter juros baixos para uma melhor atividade econômica, mas de questionarem de fato o modelo de controle inflacionário. Cada vez mais fica evidente que tal controle só é aceito por ser mais pesado para a população mais pobre, e questionar tal sistema, que até agora é “inquestionável”, deve ser uma das obrigações nossas nos próximos anos.
*Deborah Magagna é economista do ICL, graduada pela PUC-SP, com pós-graduação em Finanças Avançadas pelo INSPER. Especialista em investimentos e mercados de capitais
*André Campedelli é economista do ICL e professor de Economia. Doutorando pela Unicamp, mestre e graduado em Ciências Econômicas pela PUC-SP, com trabalhos focados em conjuntura macroeconômica brasileira