O projeto de privatização da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico de São Paulo), promessa de campanha do governador Tarcísio de Freitas, deve ser votado, nesta quarta-feira (6), na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo), após dois dias de intensos – e tensos – debates entre deputados.
Quando o projeto chegou à Alesp, há cerca de um mês e meio, a base de apoio do governador contava com até 60 votos favoráveis dos 94 deputados da casa.
Mas o quórum caiu depois do colapso vivido em São Paulo, no início de novembro, quando intensa chuva deixou milhares de pessoas sem energia elétrica e reacendeu o debate sobre o quão prejudicial pode ser à população a privatização de serviços essenciais – neste caso, a Enel, companhia de distribuição de energia.
Apesar disso, Tarcísio de Freitas, com apoio do prefeito Ricardo Nunes, insiste em privatizar a Sabesp na contramão do que vem acontecendo pelo mundo, em que governos estão reestatizando empresas responsáveis por tais serviços à população, porque, simplesmente, não deu certo colocá-los nas mãos da iniciativa privada.
Na sessão da última segunda-feira (4) em que a proposta foi discutida, o líder da bancada do PT na Alesp, Paulo Fiorilo, questionou a pressão do governador em privatizar a companhia. “O grande problema é que o governador tem uma pressa inexplicável em entregar a Sabesp. Por que ele não pode esperar terminar os estudos da empresa contratada?”, questionou o deputado, abordando os estudos de desestatização que, segundo ele, ficariam prontos em fevereiro de 2024.
Apesar de reconhecer os problemas que a estatal tem em universalizar o saneamento no estado de São Paulo, Fiorilo mostrou descontentamento com o projeto, já que a empresa é lucrativa.
Seu colega de partido, o deputado Luiz Claudio Marcolino também mostrou insatisfação com a celeridade da tramitação do projeto de lei. Segundo ele, o governador havia dito que, até 2024, ainda estaria debatendo com os prefeitos paulistas a possibilidade de desestatizar a empresa de saneamento.
Além disso, Marcolino contestou a possibilidade de o estado perder o controle sobre todo o sistema da Sabesp, construído ao longo das últimas décadas. “Todo o sistema Cantareira, Billings e Guarapiranga teve investimento feito com o nosso dinheiro público. E é isso que ele [o governador] quer incluir e vender”, apontou o parlamentar.
Ao lado dos deputados da oposição, também estão alguns insatisfeitos da base de apoio do governador. Eles reclamam de falta de articulação com o Legislativo.
O União Brasil, por exemplo, com oito deputados, não fechou questão a favor da privatização. O principal líder da legenda em São Paulo é o presidente da Câmara Municipal de São Paulo, o vereador Milton Leite, que tem expressado insatisfação com o que chama de falta de discussão sobre o projeto e quer garantias de que a capital se beneficiará com a venda.
A população também é contra a privatização. Pesquisa Datafolha de abril apontou que 53% dos moradores do estado de São Paulo são contrários à venda da empresa, enquanto 40% são favoráveis. Assim, Tarcísio mostra claramente seu intuito de agradar o “mercado” em detrimento do povo paulista.
A Alesp encerrou ontem (5) o segundo dia de discussões do projeto já no início da madrugada desta quarta, pouco após a meia-noite, com o plenário repleto de deputados e o público tomado sobretudo por manifestantes de esquerda, contrários à privatização.
Com a privatização da Sabesp, o carioca Tarcísio de Freitas segue os passos de seu estado, o Rio de Janeiro, e o Rio Grande do Sul
Nascido no Rio de Janeiro, Tarcísio de Freitas sequer sabia onde ficava seu colégio eleitoral em São Paulo durante a campanha a governador do estado. Acabou levando a eleição na onda bolsonarista que tomou conta principalmente do interior de São Paulo. Desde então, sua principal bandeira é a privatização da Sabesp, sob o argumento de “proteger” a empresa.
No fundamento “tarcisiano”, a Sabesp foi construída em cima de uma lógica de investimento cruzado, no qual municípios mais rentáveis “financiam” a operação de cidades menos rentáveis ou deficitárias. Segundo ele, 80% da receita da Sabesp vem de apenas 11 cidades.
Ao encaminhar o projeto com regime de urgência, Tarcísio quer privatizar a joia de sua coroa. E, assim, segue os passos de estados como Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, onde a privatização do serviço de água e esgoto demonstra uma série de problemas, como a conta mais cara para a população e a precarização no fornecimento do serviço para gerar lucro, pois essa é a lógica do capital privado.
Como já dito, essa tendência no Brasil vai na contramão do mundo. Entre 2000 e 2023, houve 344 casos de “remunicipalização” de sistemas de água e esgoto mundo afora, a maioria na Europa, de acordo com levantamento do banco de dados Public Futures (futuros públicos; publicfutures.org), coordenado pelo Instituto Transnacional (TNI), na Holanda, e pela Universidade de Glasgow, na Escócia.
De acordo com Lavinia Steinfort, coordenadora do projeto de Alternativas Públicas do TNI, essas reversões têm sido motivadas por problemas reincidentes em experiências de privatização e parcerias público-privadas (PPPs), como serviços inflacionados, falta de transparência e investimentos insuficientes.
“A experiência mostra repetidamente como a privatização gera aumentos de tarifas e torna a água menos acessível à maioria da população”, afirmou a pesquisadora e geógrafa política à BBC News Brasil, republicado pelo site G1.
Segundo ela, a remunicipalização é motivada, principalmente, por saltos nos preços após concessões privadas. Por exemplo: em Paris as tarifas de água aumentaram 174% entre a privatização, em 1985, e 2009.
Cidades como Berlim, Paris, La Paz, Maputo e Buenos Aires são exemplos de lugares que retomaram o controle público sobre seus sistemas de saneamento, algumas após lutas judiciais ou sociais, revertendo processos de privatização.
Os estudos da TNI mostram que cerca de 90% dos sistemas de água no mundo são de gestão pública. Dados da Federação Mundial de Operadores Privados da Água, a AquaFed, indicam que cerca de 10% da população mundial é atendida por sistemas privados.
Começo da onda privatista foi no Rio
A concessão da Cedae, no Rio de Janeiro, começou em 2017. Em 2020, a lei 14.026, do marco do saneamento básico, sacramentou a direção, estimulando a entrada da iniciativa privada no setor de água e esgoto, sob o argumento do enorme déficit de saneamento no Brasil e a falta de recursos do Estado brasileiro para suprir o volume de investimentos necessários.
Dados do Sistema Nacional de Informação sobre Saneamento (Snis) mostram que, hoje, 16% da população não têm acesso a água tratada – quase 35 milhões de brasileiros – e 44% não têm acesso a redes de esgoto (cerca de 100 milhões de pessoas).
As taxas estão muito longe das metas estabelecidas pelo marco saneamento: até 2033, 99% dos domicílios brasileiros devem ter acesso à água tratada, e 90% devem ser atendidos por redes de esgoto.
Porém, pelos exemplos que temos, privatizar o sistema não tem sido da solução para o problema da falta d’água, principalmente para a população mais carente.
Redação ICL Economia
Com informações da Folha de S.Paulo, do site G1 e do portal da Alesp