Tarcísio diz que venda da Sabesp não garante redução de tarifa. Mais uma promessa não cumprida na privatização de serviços essenciais no Brasil

Eduardo Moreira, economista e fundador do ICL, avalia que o governador de São Paulo só disse a verdade porque estava "no templo do capitalismo", neste caso, a XP.
13 de dezembro de 2023

Ao longo de sua trajetória política, não tem sido incomum o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), voltar atrás em suas declarações. Agora, o aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro desdisse o que havia dito no começo: que a privatização da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico de São Paulo) vai reduzir a tarifa de água e esgoto.

Em evento na XP Investimentos ontem (12), o governador, que tem sido chamado de “biruta de aeroporto”, uma vez que seu comportamento segue o sabor dos ventos, afirmou que a privatização da companhia não vai trazer redução nas tarifas, afirmação feita uma semana depois de o projeto que privatiza a autarquia ter sido aprovado na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo).

“A tarifa vai subir, mas a privatização garante que ela vai subir num valor menor”, disse o governador no evento.

Para atrair os votos necessários para a aprovação na Alesp, o governador garantia que a lei que autorizava a privatização traria benefícios aos consumidores paulistas. Segundo ele, 30% do arrecadado com a venda de ações seria utilizado para criar um fundo para “proporcionar modicidade tarifária”.

Mas, mesmo com esse fundo, que fará retornar à eventual empresa compradora da Sabesp parte do dinheiro que for pago pela privatização, a tarifa não irá baixar, de acordo com o que disse ontem o governador.

O economista e fundador do ICL (Instituto Conhecimento Liberta), Eduardo Moreira, já havia alertado que a conta defendida por Tarcísio acaba fazendo com que o governo subsidie a suposta redução nos preços das tarifas, fazendo com que o comprador da Sabesp acabe pagando menos pela empresa.

Na edição desta quarta-feira (13) do ICL Notícias, live diária transmitida via redes sociais, o economista voltou a abordar o assunto.

Segundo Moreira, o governador, antes de ter o projeto aprovado, falava que o investimento, com a privatização, aumentaria em R$ 66 bilhões, mas nunca disse como.

“Ele [também] dizia que a tarifa ia ficar mais barata, mas não contou como. De uma hora para outra, ele admite que a privatização não garante redução da tarifa e sabe por que ele falou a verdade? Porque estava no templo do capitalismo. Ele estava cercado por aqueles que realmente mandam, ele estava em um evento da XP, cujo dono é o Itaú”, disse.

Para Moreira, agora que Tarcísio passou “o que ele queria”, ou seja, o projeto de privatização da empresa, “tem um monte de mentira para contar na fila”.

O fundador do ICL reforça, no entanto, que a Sabesp ainda não foi privatizada, pois precisa ser aprovada também pela Câmara de São Paulo, uma vez que a capital paulista representa 44,5% do faturamento da companhia. A proposta tem apoio do prefeito Ricardo Nunes, que tem maioria na Casa.

Além disso, a privatização deve ser negociada com os 374 municípios atendidos pela Sabesp para a renovação do contrato de concessão até 2060.

“[A Sabesp] ainda não foi privatizada, então ainda dá tempo de a gente lutar”, frisou Eduardo Moreira.

Exemplos pelo país mostram que privatizar serviços essenciais, como o da Sabesp, resulta em sucateamento e encarecimento da conta

O ICL Economia já abordou exemplos pelo Brasil de que privatizar serviços essenciais, como o ofertado pela Sabesp, traz enormes prejuízos à população. No começo de novembro, o país acompanhou o caso gritante da Enel, distribuidora de energia de São Paulo privada, que, por inoperância, deixou centenas de paulistanos sem luz por horas depois de um temporal que caiu na capital paulista e parte da região metropolitana.

A lógica do capitalismo selvagem, defendido por Tarcísio, é bem simples: sucateia-se o público para justificar a privatização. Depois de privatizada, a empresa sofre cortes de investimentos e capital humano em benefício do lucro dos acionistas. Foi o caso da Enel.

No campo do saneamento, o Rio de Janeiro é um dos 850 municípios brasileiros que privatizou o serviço, de acordo com a Abcom (Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto). Em 2013, eram 213 cidades.

Esse crescimento, de 292%, está ligado à adesão de políticos a discursos de que a privatização melhora e até barateia os serviços. Em cidades em que a privatização já ocorreu, porém, promessas como essa nunca foram cumpridas.

Uma das primeiras iniciativas da Cedae (Companhia Estadual de Água e Esgoto do Rio de Janeiro), ao assumir o controle de parte do saneamento no Rio, foi a troca dos equipamentos de medição de consumo de água em residências e estabelecimentos comerciais.

Depois da mudança, o número de queixas de consumidores contra a companhia disparou no Procon (órgão de defesa do consumidor). Foram 454% de aumento nos dois primeiros meses de 2023 ante ao mesmo período de 2022.

Manaus também foi outra cidade que privatizou seu serviço de água e esgoto em 2000. Naquela época, a promessa também era levar a coleta de esgotamento a quase toda sua população.

Mais de 20 anos depois, 75% dos moradores da cidade não têm acesso à rede de esgoto e quase 80% dos dejetos sanitários gerados no município não recebe tratamento – isto é, acabam sendo despejados diretamente nos rios que cortam a capital do Amazonas.

De acordo com um ranking divulgado anualmente pelo Instituto Trata Brasil, Manaus está entre as 20 grandes cidades do país com o pior saneamento. Em 2023, era a 83ª colocada numa lista de 100 municípios.

Neste ano, a Câmara Municipal de Manaus chegou a realizar uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) sobre o serviço de saneamento na cidade, que hoje é prestado pela Águas de Manaus. A empresa pertence ao mesmo grupo da Águas do Rio. As duas são controladas pela Aegea, companhia que tem como grandes acionistas os donos do Banco Itaú e também o fundo soberano de Singapura.

No ano passado, a Aegea lucrou R$ 457 milhões. Em novembro de 2019, a empresa publicou um balanço de resultados a investidores. Nele, a empresa informa que seu faturamento havia crescido quase 25% em três meses porque, em Teresina, sua subsidiária Águas de Teresina, havia sido autorizada a cobrar mais pelo serviço de coleta de esgoto na cidade, privatizado em 2017. Hoje, Teresina ocupa 80ª posição no ranking do Trata Brasil.

Em Maceió, 91ª colocada no ranking, a empresa BRK foi autorizada em novembro a reajustar as contas de água em 8,79%. Segundo o Sindicato dos Urbanitários de Alagoas, a inflação no período foi de 4,91% – quase metade do aumento das contas.

O saneamento da capital alagoana foi privatizado em 2021. Lá, também houve reclamações em massa sobre contas de água após trocas de hidrômetros.

“Onda privatista” de Tarcísio está só no começo

Além da Sabesp, outras empresas estão na fila de privatizações do governo de SP. São elas a Emae (Empresa Metropolitana de Águas e Energia), em 2024; e o Trem Intercidades.

Também estão nessa fila as licitações das rodovias do Lote Litoral, Mogi-Dutra e Mogi-Bertioga, dois lotes da via oeste, e as linhas 10, 11, 12, 13 e a futura 14 da CPTM, além do túnel de Santos-Guarujá.

 

Para assistir ao ICL Notícias desta quarta-feira, acesse o vídeo abaixo:

Redação ICL Economia
Com informações do ICL Notícias e Brasil de Fato

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