Levantamento da Repórter Brasil – um dos principais centros de informações sobre combate ao trabalho escravo e aos danos socioambientais no país – revela que dois dos oito empresários bolsonaristas que defenderam um golpe de Estado caso o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vença as eleições têm ligação com o desmatamento na Amazônia Legal e no Sul do país. Divulgada ontem (29), a reportagem mostra que a Sierra Móveis, cujo proprietário é Luiz André Tissot, compra madeira de fornecedores que desmatam ilegalmente a Amazônia.
Ao menos cinco de suas fornecedoras diretas de madeira foram autuadas por desmatamento entre 2019 e 2022. Juntas, elas somam mais de R$ 1,5 milhão em multas, segundo dados do Ibama. Infrações ambientais também foram cometidas pelo empresário Marco Aurélio Raymundo, o Morongo. Ele e sua empresa, a Mormaii, especializada em artigos esportivos que prega desenvolvimento sustentável e contato com a natureza, receberam multas no valor total de R$ 255 mil por desmatamento em uma área protegida em Santa Catarina.
Também no caso da Sierra Móveis, a empresa se divulga como sustentável, prometendo produtos com “madeira extraída de forma renovável, a partir de reflorestamento, onde cada árvore é imediatamente substituída”, segundo seu site. No entanto, quase a maioria das infrações ambientais – 47% – aconteceram na Amazônia Legal, em Mato Grosso. Todas as madeiras autuadas, segundo a Repórter Brasil, têm sede em Aripuaña. O município é o primeiro do ranking das áreas mais exploradas legalmente no estado e é está em quarto no ranking dos locais que mais desmatam de forma ilegal, conforme mostra mapeamento do Instituto Centro de Vida (ICV). Ao todo, 7.115 hectares de madeira foram extraídas ilegalmente em 2020.
Histórico de infrações por empresários
À reportagem, o engenheiro florestal e coordenador do Núcleo de Inteligência Territorial do ICV explicou que as cidades no topo dos dois rankings, tanto de exploração legal como ilegal, coincidem porque “há gargalos no monitoramento, o que facilita o ‘esquentamento’ da madeira fria, ilegal, já que ela acaba sendo misturada à madeira autorizada”, observa.
Uma das fornecedores da Sierra Móveis, do empresário bolsonarista André Tissot, por exemplo, foi autuada após uma vistoria in loco constatar a criação de empresas fictícias para fraudar o sistema de monitoramento estadual e viabilizar o desmatamento ilegal. Em 2019, a A.Gomes Madeiras informou a venda de mais de 3,2 mil metros cúbicos de madeira e créditos de madeira de uma empresa que não existia e foi multada em R$ 501 mil – a mais alta. Um ano depois, o grupo Sierra comprou madeira da fornecedora.
Outra fornecedora autuada foi a Exmad Madeiras, que recebeu multa no valor de R$ 96.800 por ter em depósito mais de 320 metros cúbicos de madeiras sem licença ambiental, entre outras irregularidades. Das 15 infrações analisadas pela Repórter Brasil, oito delas foram cometidas ainda pela SM Madeiras e Laminados. A empresa foi multada no Paraná, em 2018, em mais de R$ 85 mil, por transportar madeira sem documentação válida e por vender madeira de floresta nativa de três espécies sem a devida licença. O grupo do empresário bolsonarista comprou da SM Madeiras em 2019.
Defesa do golpe
Em resposta, a Sierra alegou à reportagem que “somente trabalha com madeiras de reflorestamento e manejo sustentável” e que as empresas citadas não fazem parte da sua lista atual de fornecedores. As demais empresas citadas não retornaram o contato.
Tissot, proprietário da empresa de móveis, é o mesmo que defendeu no grupo de WhatsApp, com empresários bolsonaristas, que a intervenção deveria ter ocorrido ainda no primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro (PL). “O golpe teria que ter acontecido nos primeiros dias de governo. (Em) 2019 teríamos ganhado outros 10 anos a mais”, escreveu. Ainda em 2018, ele também foi denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF) por tentativa de coação eleitoral. Tissot enviou carta aos funcionários de sua empresa manifestando preocupação com o rumo da eleição e apontando motivos para o voto em Bolsonaro.
O caso Mormaii
Já Morongo, da Mormaii, foi autuado por infrações de desmatamento, em 2011, de 1.500 metros quadrados de Mata Atlântica em uma Área de Preservação Permanente (APA) em Garopaba (SC), município da sede da companhia. A APA em questão, da Baleia Franca, é uma região protegida para reservar os recursos naturais do litoral, incluindo as águas por onde passam, entre julho e novembro, essa espécie de baleia.
A reportagem do Metrópoles, responsável por revelar o grupo de empresários bolsonaristas pró-golpe, mostrou que Morongo, que é médico de formação, também disse para os colegas no aplicativo de mensagem que as vacinas “eram venenosas” e que tinha orgulho de sua família não ater se imunizado contra a covid-19. O empresário também chegou a debochar do assassinato do jornalista inglês Dom Phillips, morto com o indigenista Bruno Pereira. A Repórter Brasil buscou contato com a assessoria da Mormaii por telefone e e-mail, mas não obteve retorno.
Ainda ontem, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, também ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), divulgou que os oito empresários bolsonaristas que defenderam um golpe de Estado “funcionam como líderes” da organização criminosa investigada por práticas antidemocráticas em inquérito conduzido pelo STF. Essa foi a razão na qual o ministro se pautou para autorizar, a pedido da Polícia Federal, as ações de busca e apreensão contra o integrantes do grupo no último dia 23.
Lula defende a fiscalização
Nesta terça (30), em entrevista à Rádio Mais Brasil FM, em Manaus, do Grupo Norte, o ex-presidente e candidato ao terceiro mandato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) comentou sobre desmatamento e defendeu o fortalecimento dos órgãos de fiscalização para combater os crimes ambientais. Lula desembarca na capital do Amazonas amanhã para cumprir agenda de campanha, onde deve destacar a importância de uma parceria entre governo federal, estadual e municipal para enfrentar o desmatamento, as queimadas, o garimpo ilegal e a invasão de terras indígenas.