Para a próxima safra no Rio Grande do Sul, de janeiro a abril de 2023, a estimativa é de colheita de 865 mil hectares de arroz de todos os tipos. Desse total, 5 mil hectares correspondem ao arroz orgânico, sendo que 4 mil hectares pertencem ao MST, em áreas de assentamentos da reforma agrária. O restante, pouco mais de mil hectares, pertence a outros produtores da região, que não são ligados ao movimento. A referência para esse levantamento é o Irga, vinculado ao governo do Rio Grande do Sul, estado detém 70% da produção geral de arroz do Brasil. Segundo o Irga, a produção de arroz orgânico no Brasil ainda é extremamente baixa quando comparada ao tipo mais comum nos pratos dos brasileiros — que é produzido com insumos como agrotóxicos.
Segundo o coordenador do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e economista, João Pedro Stédile, no atual governo, o agronegócio tem cometido inúmeros crimes contra a natureza com o uso intensivo de agrotóxicos: envenenamento da terra, dos alimentos, contaminação da água do subsolo e até das nuvens. O agrotóxico, chamado de secante, não é absorvido pela planta nem pelo solo, segundo ele. Além disso, depois de subir às nuvens, desce democraticamente para toda a população.
Em contrapartida, o uso da agroecologia — adotada pelo MST por volta do início dos anos 2000, tem passado por dificuldades em questões como o escoamento da produção do grão por falta de apoio do governo. O MST é considerado o maior produtor de arroz orgânico da América Latina, e segue nessa posição há mais de 10 anos.
São as famílias assentadas do MST que plantam o arroz orgânico. O Irga estima que o movimento passou a liderar a produção desse tipo de grão no país por volta de 2010 — mas não há dados concretos que apontem exatamente quando isso ocorreu.
O dirigente nacional do MST do Rio Grande do Sul, Ildo Pereira, informou para a reportagem da BBC que as áreas da reforma agrária, que não tinham nenhuma função social anteriormente, hoje, estão nas mãos dos assentados, fruto da luta do MST. “Havia a necessidade de produzir um produto de qualidade para o consumidor, sem o uso de produtos químicos. Não é só um projeto do MST, mas também um projeto de sociedade”, afirma Pereira.
O Irga informou para a BBC que as áreas de assentamentos do MST destinadas ao plantio de arroz orgânico foram se expandindo até por volta de 2017.”Não temos segmentação por instituição como do MST. Mas podemos dizer, com certeza, que as maiores áreas que a gente conhece (de plantio de arroz orgânico) estão dentro de assentamentos do MST. São aproximadamente 4 mil hectares. Não há sequer registros superiores a isso na América Latina”, destaca o técnico do Irga Edivane Portela, coordenador do programa estadual de produção de arroz de base ecológica. “Fora do MST, essas áreas de produção (de arroz orgânico) são bem menores, cerca de 600 a 700 hectares por produtores”, disse Portela.
Sobre a pouca quantidade produzida no Brasil, em comparação ao arroz com cultivo considerado tradicional, Portela argumenta que isso ocorre porque há pouco investimento em desenvolvimento de iniciativas para a produção desses grãos, assim como outros produtos orgânicos.
“Outro ponto que me parece importante se refere ao aspecto cultural, a geração atual de agricultores ainda olha com uma certa insegurança para este sistema já que também o apoio técnico é deficiente”, afirma o especialista.
Mas ele diz que há uma demanda crescente pelo consumidor por produtos orgânicos e isso tem feito com que cada vez mais sejam desenvolvidas pesquisas sobre o tema. Ele avalia que essa produção deve crescer cada vez mais no país. “Acredito que o caminho se dará por esse lado”, diz
O MST produz arroz orgânico, do tipo agulhinha, em 12 assentamentos de diferentes municípios do Rio Grande do Sul, envolvendo cerca de 340 famílias beneficiárias da reforma agrária
A produção do arroz orgânico no MST é feita em 12 assentamentos em diferentes municípios do Rio Grande do Sul e envolve cerca de 340 famílias beneficiárias da reforma agrária. Esses números caíram nos últimos anos. Em 2017, por exemplo, eram 616 famílias em 22 assentamentos
Nos últimos anos, muitos produtores ficaram desestimulados diante das dificuldades para comercializar os grãos. Grande parte desse arroz costumava ser vendida por meio de iniciativas do poder público, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), da Conab.
O MST estima que nos últimos anos houve redução de até 40% nas compras de arroz orgânico por parte de entes públicos para alimentação escolar, área que prevê que no mínimo 30% das compras sejam feitas por meio da agricultura familiar – na qual a produção do movimento se enquadra.
Um fator que dificultou a venda nos últimos anos foi o auge da pandemia de covid-19, que manteve as escolas fechadas. Mas outro ponto, segundo o movimento, seria uma falta de incentivo do governo Bolsonaro à agricultura familiar
“O governo federal é um grande comprador e, por meio da Conab, sempre auxiliou levando alimento a quem mais necessita. Hoje, a Conab não tem efetuado compras da agricultura familiar (como antes)”, afirma Guilherme Vivian, integrante do setor de produção do MST e um dos responsáveis pela comercialização da Cootap (Cooperativa dos Trabalhadores Assentados da Região Porto Alegre). “As prefeituras e governos estaduais também não têm efetuado compras no período recente”, acrescenta.
Além dos programas do poder público, o MST também comercializa o arroz orgânico para mercados ou vende diretamente aos consumidores de diferentes regiões do país.
O movimento ainda exporta o produto, com o apoio de empresas que levam o grão a outros países. “Mas isso diminuiu bastante no último período, principalmente pelo custo, que mais que quadruplicou, por causa do transporte. Não há contêiner e quando tem é um custo absurdo, eleva muito o valor e não compensa. Neste ano só exportamos para a Itália e a Alemanha, mas nos anos anteriores era para muito mais países”, diz Vivian, do setor de produção do MST, para a reportagem da BBC.
Em meio às dificuldades para a comercialização, surgiu outro problema no período recente: a intensa seca que atinge o Rio Grande do Sul desde o fim do ano passado. Esse fator atrapalha a produtividade do grão, segundo o MST.
O atual cenário de dificuldades e incertezas tem afetado, principalmente, as famílias assentadas que são responsáveis pela produção do grão e que têm a comercialização dele como parte da renda.
“É uma atividade lucrativa, mas essas famílias não trabalham só com o arroz”, minimiza Vivian. Essas famílias também possuem outros cultivos para complementar a renda, como o de hortaliças, frutas ou gado de corte. “São pessoas que lá atrás se organizaram em grupos, formaram acampamentos e lutaram por um pedaço de chão para produzir e viver dignamente”, afirma Vivian.
Apesar dos problemas no atual cenário, o MST estima que na safra de 2021/2022 devem ser colhidas mais de 15 mil toneladas de arroz orgânico. É um volume maior do que o da safra anterior, período considerado extremamente difícil, quando foram colhidas 12 mil toneladas. E para essas famílias, a comercialização de todo esse arroz orgânico da safra é um grande desafio pela frente.
Redação ICL Economia
Com informações da BBC