O líder do governo na Câmara, deputado federal Ricardo Barros (PP), declarou nessa segunda-feira (3) que quer limitar e até criminalizar pesquisas eleitorais que apresentarem resultados diferentes das urnas. Barros, um dos principais nomes que apareceram em denúncias de corrupção levantadas pela CPI da Covid no ano passado, alega aparente desconexão entre alguns resultados das urnas de domingo (2) com os trabalhos dos principais institutos de pesquisa do país. Por sua vez, estes argumentam que o objetivo das pesquisas é mostrar tendências retratadas em um certo momento, e não realizar prognósticos. A conjuntura eleitoral redesenhada com a expressiva votação recebida por Jair Bolsonaro foi alvo de análise do mestre e doutor em Ciências Sociais Rudá Ricci, presidente do Instituto Cultiva.
Ricci lembra que todas as pesquisas trabalham com margens de erro, que variam de dois a três pontos, a depender da metodologia aplicada pelo instituto. Ele avalia que, no geral, as pesquisas muito mais acertaram do que erraram em relação às votações do primeiro turno das eleições. “O erro maior das pesquisas sobre intenções de voto para a presidência está circunscrito à votação de Bolsonaro. Lula, Tebet e Ciro estiveram dentro da margem de erro que quase ninguém no Brasil respeita”, lembra.
O CEO da Quaest Consultoria, Felipe Nunes, concorda com o argumento. Em entrevista ao Uol, ele afirma que “os levantamentos não são um prognóstico, e sim um diagnóstico da sociedade. As pesquisas têm um papel fundamental de nos ajudar a entender os movimentos que estão por vir.”
Falta de compreensão das pesquisas
O que faltou para entender o cenário com maior precisão, ainda segundo Rudá Ricci, é uma melhor compreensão das diferenças do eleitorado dos sertões afastados das grandes cidades do país. “A votação expressiva de Bolsonaro e do bolsonarismo se deu no ‘Brasil profundo’ do centro-sul, mas não ocorreu no Nordeste, onde Lula teve votação mais expressiva. Então, precisamos separar o joio do trigo: o ‘Brasil profundo’ não tem uma identidade de classe única. Ele se divide por macrorregiões.”
O sociólogo lembra que a falta de percepção das pesquisas eleitorais tem relação com preconceitos e alterações hegemônicas na estrutura econômica do país. Durante os governos petistas de Lula e Dilma (2003-2016), o Nordeste ascendeu em importância econômica, sendo que sempre foi um centro cultural de excelência, que ampliou seu alcance. “Nós, do centro-sul, tendemos a olhar nossa região como motor intelectual e produtivo do país. Ocorre que a região vive um processo de decadência econômica com a desindustrialização”, explica.
Soma-se a esses fatores as mudanças nas relações de trabalho, que estimularam a busca pelo bem individual, em vez das conquistas coletivas de direitos. O reflexo desse fenômeno característico do neoliberalismo econômico é o enfraquecimento da organização e do poder de mobilização das esquerdas. “A luta por direitos também arrefeceu no Brasil. A luta agora é pelo sucesso individual e proteção das comunidades fechadas às quais a maioria pertence. A sociedade civil organizada (organizações populares, movimentos sociais, ONGs) perdeu sua pujança formuladora e mobilizadora neste século. Com isso, os partidos à esquerda perderam seus canais de comunicação com a base social”, prossegue.
Emoção e culpa
Por fim, Rudá Ricci avalia que a campanha de Lula não errou. Ao contrário, reafirmou a força de Lula como líder popular e conseguiu fazer frente a Jair Bolsonaro, que desde o primeiro dia de seu mandato esteve em campanha pela reeleição e usou como quis de toda a máquina do Estado. Afinal, foi Lula que saiu vencedor no primeiro turno, com cerca de 6 milhões de votos mais que o atual presidente.
Contudo, para o segundo turno, o sociólogo propõe à campanha algumas reflexões. “A campanha de Lula não errou. Mas faltou emoção. Foi extremamente racional e profissional. Acontece que para falar com o Brasil profundo é preciso ter emoção, tocar na difícil história de vida de gente que é tradicionalmente desconsiderada.”