A exemplo do que aconteceu no primeiro turno, o presidente Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição, está intensificando o uso da máquina pública em um verdadeiro vale-tudo eleitoral para o segundo turno. Bolsonaro, que encerrou o primeiro turno 6 milhões de votos atrás do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), tem usado as dependências do Palácio da Alvorada, sua residência oficial, para anunciar apoios de aliados, violando, desse modo, a legislação eleitoral.
Além disso, logo após o resultado do primeiro turno, Bolsonaro anunciou uma série de medidas eleitoreiras, como antecipação de benefícios sociais, pagamento do décimo-terceiro do Auxílio Brasil a mulheres beneficiárias do programa, se vencer as eleições, a inclusão de novas famílias no auxílio, perdão de dívidas e nomeação de concursados da PF (Política Federal) e da PRF (Política Rodoviária Federal). A única coisa que Bolsonaro não disse é de onde vai tirar dinheiro para implementar todas essas medidas, já que o orçamento deste e do próximo ano já estão mais do que comprometidos.
A propósito, recentemente o presidente candidato à reeleição cortou verbas destinadas a 12 programas da Saúde, incluindo um voltado ao tratamento de doenças sexualmente transmissíveis, aids e hepatites virais; à saúde da população indígena e de comunidades ribeirinhas e até o Médicos pelo Brasil, que substituiu o Mais Médicos dos governos petistas. A manobra do governo foi feita para privilegiar o orçamento secreto, instrumento de barganha do Executivo em troca de apoio no Congresso Nacional. Os cortes de recursos do Ministério da Saúde para esses programas já somam R$ 3,3 bilhões.
Além disso, o governo anunciou, na semana passada, novo bloqueio de mais de R$ 1 bilhão de recursos destinados ao ensino superior, a ponto das universidades públicas correrem risco de não ter dinheiro para pagar funcionários e custos de operação. Com os novos contingenciamentos (bloqueio temporário de verba até que o governo decida se o corte será ou não definitivo), a Educação já perdeu R$ 2,4 bilhões.
Ou seja, para tentar virar votos para o segundo turno, o governo anuncia, de modo muito irresponsável, medidas eleitoreiras, enquanto promove o sucateamento de áreas essenciais, como saúde e educação, descobrindo a oferta de serviços à camada da população mais dependente de serviços públicos.
Reportagem da Folha de S.Paulo publicada no último sábado (8) mostra que especialistas apontam violação das leis eleitorais por parte de Bolsonaro.
Além de usar a máquina pública para campanha, Bolsonaro faz vale-tudo eleitoral em entrevistas ao lado de aliados
Especialistas ouvidos pela Folha apontam que o presidente infringe a lei eleitoral ao anunciar medidas em entrevistas coletivas ao lado de autoridades de seu governo. O uso explícito da máquina pública ocorre em pleno período de defeso eleitoral, quando normas para gastos públicos e comunicação institucional são mais restritas.
Um dos casos ocorreu na terça-feira (4), quando a presidente da Caixa, Daniella Marques, e o ministro da Cidadania, Ronaldo Bento, anunciaram, em entrevista coletiva, a antecipação dos pagamentos do Auxílio Brasil e a inclusão de 500 mil novas famílias no programa. Além disso, também sinalizaram que o empréstimo consignado para beneficiários do auxílio deve ser destravado ainda neste mês.
No dia seguinte, a presidente da Caixa reapareceu publicamente para anunciar um perdão de até 90% em dívidas de clientes do banco, requentando uma iniciativa que já existe desde 2019.
No dia 27 de setembro, foi editada a regra para a concessão de empréstimos consignados vinculados ao Auxílio Brasil. A norma permitirá que bancos ganhem quase R$ 1.000 a cada R$ 2.000 emprestados aos beneficiários do programa.
Sobre os anúncios de apoio político feitos por Bolsonaro, um ex-ministro do TSE ouvido pela Folha de S.Paulo disse que eles ferem a legislação eleitoral. Como argumento, ele citou o artigo 73 da Lei nº 9.504, de 1997, segundo o qual é proibido aos agentes públicos “ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta”.
No entanto, a norma prevê uma exceção: titulares de cargos do Executivo nas esferas federal, estadual ou municipal podem usar as residências oficiais para reuniões de campanha, desde que os encontros não tenham caráter de ato público. Mas, segundo o ex-ministro do TSE, a partir do instante em que Bolsonaro sai aos jardins, ainda nas dependências do palácio, e anuncia apoios diante das câmeras, e com ampla exposição nas redes sociais, fica configurado o caráter público.
De acordo com a reportagem da Folha, as condutas podem motivar representações no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), de iniciativa de partidos políticos, coligações, candidatos ou do Ministério Público Eleitoral. As penalidades podem resultar em multas e até a cassação do mandato, ou ainda a inelegibilidade, caso Bolsonaro seja derrotado no segundo turno, que acontece no dia 30 de outubro.
O órgão já avalia se Bolsonaro incorreu em crime eleitoral em razão dos atos do 7 de Setembro, em que foi acusado por adversários de transformar um evento público na Esplanada dos Ministérios em comício.
Outra especialista ouvida pela Folha, a advogada eleitoral Juliana Markendorf Noda, membro da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político), disse que os auxílios, embora aprovados por meio de uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição), violam o princípio da anualidade previsto na Constituição. “Uma lei não pode alterar o processo eleitoral que será realizado no mesmo ano”, afirmou.
Na opinião dela, a alteração do pleito não se dá apenas pelas regras de funcionamento da votação, mas também pelo contexto político e econômico da disputa. Nesse sentido, ela entende que os auxílios turbinados alteraram substancialmente as condições políticas da eleição. Essa visão é corroborada por ex-ministros do TSE.
Procurado pela reportagem, o advogado Tarcísio Vieira de Carvalho Neto, representante jurídico da campanha do presidente, não se manifestou até a conclusão da reportagem. Ele foi ministro do TSE entre 2014 e 2021.
Redação ICL Economia
Com informações das agências de notícias e da Folha de S.Paulo