O presidente Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição, não demonstra nenhum embaraço em usar a máquina pública para atrair eleitores. Ele, que aparece atrás do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas pesquisas de intenção de votos, tem usado descaradamente a Caixa como instrumento eleitoral às vésperas do segundo turno, que acontece no próximo dia 30. Em apenas uma semana, o banco público liberou R$ 1,8 bilhão em empréstimos consignados a 700 mil beneficiários do Auxílio Brasil e do Benefício de Prestação Continuada (BPC).
No entanto, entidades de defesa do consumidor têm relatado já terem recebido uma série de reclamações e denúncias. À reportagem de O Globo, o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) informou que foram ao menos duas mil queixas, que vão de empréstimos casados com seguro a ligações ao consumidor para ofertar o consignado, posturas que foram vedadas nas normas do crédito.
De acordo com a presidente do banco, Daniella Marques, o valor médio dos empréstimos do consignado do auxílio ficou em torno de R$ 2.600, com taxas de juros de 3,45% ao mês, 0,05 ponto percentual abaixo do teto fixado pelo governo, e prazo de até 24 meses para pagamento.
Segundo a reportagem do jornal, por ano, a taxa de juros dos empréstimos é de 50,23%. Com as condições da Caixa, um empréstimo pode chegar a R$ 2.582. Com isso, ao longo do contrato, o tomador terá pago R$ 3.840.
O ICL Economia publicou diversas notícias apontando para o quanto os empréstimos consignados para o Auxílio Brasil é uma barca extremamente furada, na qual o presidente quis jogar milhares de brasileiros em situação de vulnerabilidade social e financeira. O economista Eduardo Moreira, do ICL, foi o primeiro a fazer o alerta, dizendo que os bancos iam faturar muito em cima dos brasileiros mais fragilizados, que usam o dinheiro para comprar itens básicos de sobrevivência. Além disso, ele alertava para o fato de essa modalidade de crédito elevar o endividamento dessa parcela da população, uma vez que o auxílio tem data para acabar.
Além disso, o próprio Idec, ao lado de entidades jurídicas e personalidades de diferentes setores, chegaram a elaborar uma “Nota em Defesa da Integridade Econômica da População Vulnerável” para pedir o adiamento do empréstimo consignado a beneficiários do Auxílio Brasil.
Assim como Moreira, essas entidades veem nos empréstimos consignados um grande risco para a parcela da população alvo do empréstimo. Isso porque a taxa de juros a beneficiários do Auxílio Brasil é maior do que a do consignado de aposentados e pensionistas do INSS, de até 2,14% ao mês. Quem pega empréstimos emprestados R$ 2.582 no consignado do INSS paga R$ 3.328,56 ao fim de 24 meses, diferença de R$ 511,44 em relação ao valor da Caixa na linha do Auxílio Brasil.
“No universo das 21 milhões de famílias (com Auxílio Brasil), mais de 80% são chefiadas por mulheres. É o vendedor ou vendedora de pipoca na frente da escola que que trocar o pneu da carrocinha, a pessoa que quer comprar uma bicicleta para fazer entrega”, disse a presidente da Caixa.
Mas, ao que tudo indica, o beneficiário já enxergou que, em vez de solução, o consignado é um problema. “Nunca vi tanta reclamação. As pessoas estão cegas atrás desse dinheiro fácil. A exigida educação financeira não está funcionando. As pessoas estão pegando o limite, no prazo limite de pagamento de 24 meses. Não se preocupam em tomar um valor menor, em comprometer menos a renda e pagar em um prazo mais curto com juros menores”, disse a economista do Idec, Ione Amorim.
Entre as principais queixas, estão falhas nos aplicativos das instituições financeiras, problemas no prazo para a liberação do dinheiro, pedidos negados sem explicação e venda casada com seguro prestamista (que busca garantir o pagamento da prestação). Além disso, foram detectadas ligações para os consumidores para ofertar o empréstimo e prazo de carência no pagamento da primeira prestação superior a 30 dias, o que foi vedado na norma.
Os bancos alvos das reclamações foram a Caixa, Banco Pan e a fintech Meutudo. Assim que consolidar os dados, o Idec pretende acionar os Ministérios da Cidadania, da Justiça e o Banco Central, além do Ministério Público.
Equipe da campanha de Bolsonaro tem esperança de conquistar votos entre os que aderiram ao empréstimos consignados
Tanto o Auxílio Brasil quanto o empréstimo consignado estão dentro do pacote eleitoreiro de Jair Bolsonaro para se reeleger. O presidente, que está em eterna campanha desde o início de seu governo, instituiu o pagamento de R$ 600 mensais do auxílio até dezembro deste ano. Já em 2023, ele incluiu no orçamento um valor de R$ 405.
Agora, com a alta adesão ao empréstimo consignado, a equipe da campanha do presidente acredita que isso pode render mais votos ao candidato à reeleição, conforme foi publicado na coluna da jornalista Ana Flor, no portal G1. Segundo ela, o cálculo da equipe é de que cada consignado concedido possa afetar até quatro votos.
Contudo, até agora, Bolsonaro não foi bem-sucedido em seu intento. A parcela da população abrangida pelos benefícios concedidos pelo governo federal vota majoritariamente em Lula. Isso é mostrado na pequisa Ipec, divulgada ontem (17). O levantamento apontou que nos domicílios em que há beneficiários de programas sociais, o petista lidera com 60% das intenções de voto, enquanto o atual presidente tem 36%.
No primeiro turno da eleição presidencial, Bolsonaro recebeu 51 milhões de votos (43,20%) e ficou atrás de Lula (PT), que teve 57,2 milhões (48,43%).
À reportagem de O Globo, o coordenador do núcleo de defesa do consumidor da Defensoria Pública de São Paulo, Luiz Fernando Miranda, disse que há uma preocupação muito grande dessas entidades “porque as pessoas que recebem o Auxílio Brasil estão enfrentando um momento muito difícil. Esse crédito extra sem uma política responsável gera uma grande expectativa nas pessoas. Pelo Código de Defesa do Consumidor, elas precisam ter acesso ao direito básico, que é transparência em relação ao produto que está sendo oferecido”.
Sobre a polêmica da venda casada de seguros com o empréstimo, a Caixa disse, em nota, que “cumpre rigorosamente a regulamentação” do consignado do Auxílio Brasil. “Ratificamos ainda que o banco repudia a prática de venda casada e possui estrito Código de Ética que orienta a atuação de toda sua rede de atendimento no sentido de prestar informações corretas aos clientes, respeitando seus direitos de consumidores”.
Redação ICL Economia
Com informações de O Globo e do G1