Artigo de Deborah Magagna e André Campedelli *
O pacote de maldades de Paulo Guedes foi descoberto e a equipe de campanha de Bolsonaro agora age para tentar mitigar os danos. Mas a realidade é que o ministro pretende causar uma queda do poder de compra do salário mínimo, das aposentadorias e de todos os benefícios previdenciários vinculados ao reajuste do salário mínimo para abrir brecha pro centrão poder gastar sem problemas fiscais, inflando ainda mais o orçamento secreto.
A ideia é antiga e o ministro já vem reclamando da falta de liberdade do orçamento federal desde o começo do mandato de Bolsonaro. Ele nunca escondeu de ninguém o seu chamado plano 3D (Desindexação, Desvinculação e Desobrigação), que faria com que ocorresse uma liberdade muito maior para definir qual despesa deve ter prioridade e até mesmo ser paga. E o primeiro passo estaria sendo dado agora, com a eliminação da lei que obriga que o salário mínimo tenha ao menos reajuste pela inflação passada.
O grande truque desta medida é a projeção antecipada sendo a base para o reajuste dado. No próprio projeto se coloca que a meta inflacionária do ano é o piso mínimo de reajuste do salário. Então o governo, baseado em suas expectativas, faria uma previsão inflacionária e a partir disso definiria o salário mínimo, o reajuste das aposentadorias etc. A última vez em que isto ocorreu foi no período da ditadura militar, período marcado por uma perda grande de poder de compra da classe trabalhadora e elevada concentração de renda.
Uma das coisas que todo mundo sabe é que economistas erram suas previsões mais do que cartomantes. Então a chance de erro de previsão, inclusive para menos, é enorme. De fato, o que iria pautar a elevação do salário mínimo seria a meta inflacionária. Isto garantiria que o salário mínimo se elevasse somente em 3% nos próximos anos, o que teria um impacto terrível para o poder de compra de aposentados, pensionistas e dos trabalhadores que recebem o mínimo, que são a grande maioria da massa trabalhadora brasileira.
Mas, qual a verdadeira importância do salário mínimo? A resposta é que, durante o governo Lula a política de reajuste do salário mínimo acima da inflação, ou seja, sempre ganhos reais, foi a grande política de distribuição de renda, de melhora da situação social dos trabalhadores e o responsável por dar dinamismo econômico. O reajuste real aumentava consideravelmente o poder de compra todo ano das pessoas, que compravam mais produtos, aquecia a economia, e garantia uma situação de desemprego sempre baixando e de crescimento econômico quase constante.
Muito se fala do Bolsa Família, mas sua importância passa pela questão econômica e entra na questão social. Essa política garantiu que o filho do trabalhador não precisasse arrumar um emprego ao invés de estudar, garantiu que nos momentos mais difíceis a fome fosse mitigada e garantiu que as pessoas vacinassem seus filhos. Ele foi a base de melhora de condições sociais, sanitárias e educacionais das pessoas mais carentes deste país. Mas de fato, ele fez parte de um arcabouço que tinha como o salário mínimo com aumento real o grande carro chefe do dinamismo econômico.
Muito se criticou o modelo econômico do governo Lula, por ser voltado ao consumo em massa para gerar o crescimento observado. Mas esse consumo em massa só foi possível graças a ganhos reais de renda dos trabalhadores. E mesmo os críticos ao modelo não tem como negar que a política de valorização foi a que gerou o crescimento econômico necessário para, inclusive, sair da crise de 2008 de forma tão rápida e quase sem nenhum arranhão econômico. Então, temos dois modelos econômicos postos na prática. Um que eliminou o poder de compra da população sem reajuste real do salário mínimo e que agora pretende gerar perda real de poder de compra. Outro que baseou no salário mínimo o motor econômico que fez com que a economia crescesse tanto em oito anos. Enquanto a primeira política excluiu o povo do orçamento, das compras e do lazer, o segundo garantiu que as pessoas pudessem comprar, se divertir e que proporcionam uma vida melhor para seus filhos. Então, precisamos lembrar que, o salário mínimo é um dos principais pontos de disputa, e sua importância não deve ser reduzida.
*Deborah Magagna é economista do ICL, graduada pela PUC-SP, com pós-graduação em Finanças Avançadas pelo INSPER. Especialista em investimentos e mercados de capitais
*André Campedelli é economista do ICL e professor de Economia. Doutorado pela Unicamp, mestre e graduado em Ciências Econômicas pela PUC-SP, com trabalhos focados em conjuntura macroeconômica brasileira