Agora, efetivamente começou o terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e os primeiros sinais econômicos começam a aparecer. De um lado, o governo busca alternativas para proporcionar o crescimento econômico ao mesmo tempo que mitiga as mazelas sociais que foram impostas ao povo nos últimos anos; de outro, temos o mercado financeiro tentando ter algum protagonismo. Existe um cabo de guerra entre governo e Faria Lima para ver quem consegue pautar mais a visão econômica nesse primeiro momento.
O primeiro ponto de combate se deu com a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) da Transição. No começo do governo, qualquer fala de Lula ou do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, soa como verdadeiras bombas atômicas na Bolsa brasileira e o no valor do dólar. Esse é um movimento esperado, pois desde o golpe contra a ex-presidente Dilma Rousseff, em 2016, a Faria Lima ditou o ritmo da política econômica brasileira, diretamente com representantes nos principais cargos econômicos do país. Agora, tenta a chantagem para obter ainda alguma relevância e, de fato, conseguiu no Ministério do Planejamento, segundo cargo mais importante da economia, que é comandado por Simone Tebet e com uma secretaria somente com nomes portas-vozes da economia liberal.
O lado interessante é que a pasta não terá a mesma força que teve em outras épocas devido ao seu desmembramento em um novo ministério, o de Gestão e Orçamento, que será comandado por uma das melhores economistas na área de política fiscal do país, a professora Esther Dweck. Além disso, de forma surpreendente, a pasta da Indústria e Comércio Exterior, que ficou nas mãos do vice-presidente Geraldo Alckmin, adotou um tom bastante progressista e heterodoxo, ao abordar a importância das políticas industriais para retomar o processo de industrialização, mas com uma visão ambiental diante das preocupações climáticas mundiais.
Pelo menos na formação dos ministérios, o mercado financeiro perdeu grande parte de seu protagonismo, mas não foi totalmente vencido. Mesmo assim, a reclamação sobre as medidas econômicas do governo Lula começaram cedo. A formação da equipe econômica não foi bem recebida por diversos agentes econômicos, devido à massiva presença de economistas ligados à Unicamp (Universade Estadual de Campinas), a PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e à UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), casas econômicas tradicionalmente progressistas e heterodoxas, ligadas a uma visão mais à esquerda da condução econômica.
Governo Lula foi o primeiro em muito tempo a mostrar preocupação fiscal ligada às receitas e não somente ao corte de gastos
Com o primeiro sinal emitido de como será conduzida a política econômica, após o ministro Fernando Haddad mostrar suas medidas para conseguir um superávit primário ainda no primeiro ano de mandato, os ruídos aumentaram. Pela primeira vez em muito tempo, vimos uma preocupação fiscal ligada às receitas e não somente ao corte de gastos. O instrumental largamente utilizado nos últimos anos, que trouxe o país à situação econômica em que estamos, deve finalmente ser alterado.
A proposta de Haddad propõe aumentar as receitas melhorando a gestão de contratos já realizados, buscando reduzir a sonegação e o não pagamento de impostos e tributos, e renegociando dívidas com a União no curto prazo. Essa será uma base importante para a futura medida que levará maior atenção do mercado financeiro nos próximos meses: a nova regra fiscal, substituta do teto de gastos, que deve pautar a condução econômica nos próximos anos.
Essa deve ser a próxima trincheira da disputa que ocorre entre mercado e governo. Possivelmente, a Faria Lima vai querer o maior número possível de amarras que evitem um gasto governamental mesmo com aumento das receitas que podem vir do crescimento econômico, enquanto o governo deve buscar um arcabouço que priorize o investimento público, criando regras para o crescimento de gastos discricionários, como aqueles para manutenção da máquina pública. Então, esta será a grande disputa que deve vir como desafio para o governo Lula nos primeiros meses de seu governo.
Os sinais, até agora, sobre o terceiro governo Lula são animadores a partir da visão heterodoxa que estes autores possuem. Uma resolução dos problemas fiscais pautada nas receitas e não somente nos gastos, e uma composição ministerial com um discurso mais progressista e à esquerda do que vimos nos últimos anos é o que se esperava e o que a maioria dos eleitores do petista esperavam.
Agora, é preciso aguardar novas ações econômicas para termos uma visão mais consolidada do que será a atuação econômica do terceiro mandato de Lula.
*Deborah Magagna é economista do ICL, graduada pela PUC-SP, com pós-graduação em Finanças Avançadas pelo INSPER. Especialista em investimentos e mercados de capitais
*André Campedelli é economista do ICL e professor de Economia. Doutorando pela Unicamp, mestre e graduado em Ciências Econômicas pela PUC-SP, com trabalhos focados em conjuntura macroeconômica brasileira