Está em curso o prometido plano de privatização da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo). Ao longo da campanha eleitoral, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), ex-ministro de Jair Bolsonaro (PL) que desembarcou em São Paulo e ganhou a eleição sem nem conhecer o estado que governaria, teve como uma de suas principais bandeiras privatizar a companhia.
Embora negue que esse processo esteja em curso, o primeiro passo foi dado. A Sabesp discute o lançamento de um plano de reestruturação para reduzir custos a partir de 2023. Na linguagem neoliberal, “reestruturar” significa “cortar”, a começar pelos funcionários. A autarquia planeja o lançamento de um PDV (programa de demissão voluntária), segundo reportagem publicada pelo portal UOL. Os primeiros atingidos seriam aqueles com cargos de liderança.
Ainda segundo a reportagem, o plano seria lançado no segundo semestre com expectativa de adesão de 3.000 funcionários (25% do quadro atual). Atualmente, a Sabesp tem 12 mil funcionários e fornece água, coleta e tratamento de esgoto para 375 municípios do estado de São Paulo, um universo de 28,4 milhões de pessoas abastecidas com água e 25,2 milhões com coleta de esgoto, segundo os números da companhia.
Em entrevista ao UOL, José Faggian, presidente do Sintaema (Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente do Estado de São Paulo), disse que os trabalhadores estão apreensivos sobre cortes de pessoal e a substituição de trabalhadores, muitos deles com pelo menos 30 anos de casa, por profissionais menos experientes. Nas palavras do sindicalista, esse processo “pode afetar a a qualidade do serviço prestado”.
De acordo com o UOL, a diminuição da folha de pagamento tem como base um estudo da consultoria norte-americana A.T. Kearney, encomendado ainda na gestão de Benedito Pinto Ferreira Braga Junior, que foi substituído por André Salcedo na presidência da Sabesp em janeiro deste ano. A troca, aliás, favorece o plano privatista de Tarcísio de Freitas, que intenciona desestatizar a companhia até o fim de 2024.
Conforme o estudo, 40% das lideranças de algumas áreas poderiam ser cortadas. O plano de reestruturação teria como foco cargos com salários entre R$ 8.000 e R$ 40 mil de líderes como encarregados, gerentes de divisões regionais e superintendentes.
Privatização da Sabesp seguiria o mesmo modelo da Eletrobras. Para economista do ICL, plano é um “escândalo total”
A Sabesp é uma autarquia, com 50,26% de participação do governo de São Paulo e outros 49,74% nas mãos de acionistas privados. O argumento para a venda da empresa é usar o dinheiro para ampliar os investimentos no próprio setor. Em entrevista recente, o governador declarou que a conta de água ficará mais barata com a venda da empresa. “O cidadão […] vai ter um serviço de mais eficiência, um serviço que vai contar com muito investimento, que vai ser universalizado em um prazo menor e com uma tarifa mais baixa.”
O discurso de Freitas é bastante conhecido. Primeiro, sucateia-se o serviço público para comprovar que privatizar a bem público tornaria a empresa mais eficiente. Mas, quando se trata de água e esgoto, o buraco é mais embaixo. Os cidadãos e cidadãs do estado abastecidos pelo sistema Cantareira lembram bem do que aconteceu na grande crise hídrica de 2014, que atendia, à época, 8,8 milhões de pessoas na Grande SP. Devido à estiagem, o sistema esgotou e a culpa foi jogada nas costas de São Pedro.
Mas o fato é que a falta de investimentos para pagar dividendos a acionistas já era bola cantada. Por causa disso, não foram feitas obras necessárias e o consumidor pagou o preço e a conta do descaso, na maior crise hídrica em 80 anos.
Na edição desta sexta-feira (17) do ICL Notícias, programa diário veiculado no YouTube, o economista e sócio-fundador do ICL, Eduardo Moreira, avaliou que o processo de privatização da Sabesp é um “escândalo total”, pois amplifica a situação de vulnerabilidade de quem já está vulnerável.
“A água potável para populações pobres tem que ser um direito garantido. A água tem que ser um direito universal, quem nos dá água é a natureza. Mas a fórmula não é nova. Todos os passos a serem percorridos pela Sabesp são conhecidos. Provavelmente, ela será vendida por um preço muito abaixo do que vale. São Paulo se tornará refém para ter acesso ao seu bem mais básico, sem o qual as pessoas não conseguem sobreviver”, disse, reforçando que as estatais podem ser melhoradas, e exemplos disso são a Embraer, a Petrobras e a Embrapa, que exportam tecnologia para o mundo.
Nesse aspecto, Freitas segue a cartilha bolsonarista. O Orçamento de 2023 enviado por Bolsonaro ao Congresso demonstra a falta de preocupação do governo com a saúde social. O ex-presidente havia destinado apenas R$ 14 milhões ao saneamento básico este ano, menos do que os R$ 20 milhões que cada deputado da base aliada ganhou do orçamento secreto em 2022. É mais um buraco que muito provavelmente será tapado pela gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Para privatizar a Sabesp, o governo Tarcísio de Freitas contratou um estudo para avaliar a melhor modelagem para a privatização da companhia. O desejo é aplicar na autarquia o mesmo modelo de privatização da Eletrobras. Ou seja, com menos participação do Estado nas ações da empresa, mas com poder de veto em assembleias de acionistas, o chamado golden share.
Ou seja, Freitas se inspira em um modelo de privatização falido, o qual Lula já disse que pretende reverter. O petista chamou o processo de privatização da Eletrobras de “errático”, “lesa-pátria” e “quase que uma bandidagem”, durante entrevista a canais de mídia alternativos no Palácio do Planalto. O foco da medida provisória (MP) da privatização foi a venda de ações da Eletrobras até que o governo deixasse de deter 60% dos papeis da estatal e passasse a ser dono de 45% da empresa.
No Rio, privatização de concessionária deixa população do Complexo da Maré um mês sem água
No Rio de Janeiro, a concessionária privada Águas do Rio comprou a estatal Cedae. Após obras de manutenção na Estação de Tratamento do Guandu, moradores do Complexo da Maré, de Bonsucesso, Ilha do Governador, Manguinhos, Olaria e Ramos na zona norte do Rio de Janeiro denunciam que ficam sem receber uma gota d’água nas torneiras por dias. Mas há moradores que dizem que não são abastecidos por um mês pelo menos.
A concessionária colocou mensagens em postes de comunidades como Parque União e Nova Holanda informando que precisou interromper o fornecimento de água em partes da zona norte para reparar o vazamento da subadutora da Maré. A empresa justifica que o serviço é complexo e, por isso, “não existe previsão para o término do reparo”.
Muitos consumidores também estão reclamando que a conta de água no Rio de Janeiro ficou mais cara desde que a Águas do Rio substituiu a Cedae. Telejornal da Globo mostrou que, em um condomínio do Catete, a conta de água passou de R$22 mil por mês para R$90 mil. O síndico do prédio diz que, desde que a Águas do Rio assumiu, o cálculo da conta mudou. Ao invés de levar em conta o consumo apurado pelo hidrômetro, a concessionária cobra do condomínio o valor do consumo mínimo e multiplica por cada um dos 520 apartamentos e das 32 lojas do prédio.
Essa cobrança já foi considerada ilegal pelo STJ. Em 2015, quando a Cedae era a distribuidora de água na capital, o STJ decidiu que a cobrança poderia ocasionar enriquecimento ilícito da concessionária.
Outros síndicos de condomínios em Ipanema e Laranjeiras também reclamaram do valor da conta. Diversos condomínios voltaram a procurar a Justiça para tentar rever a cobrança. No Procon, as reclamações contra a Águas do Rio também não param de aparecer. Sobre a cobrança dos serviços, a Águas do Rio disse que segue o previsto pelo contrato de concessão e pela lei.
Redação ICL Economia
Com informações do portal UOL, do jornal Hora do Povo e G1