As vínicolas Aurora, Cooperativa Garibaldi e Salton, envolvidas em denúncia de trabalho escravo, tiveram suas participações suspensas na ApexBrasil (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos). As três empresas contrataram uma empresa terceirizada que usava mão de obra análoga à escravidão para fazer a colheita da uva, no Rio Grande do Sul.
Em uma tentativa de eximir as três vinícolas de qualquer responsabilidade sobre o caso, ontem (28), o Centro da Indústria, Comércio e Serviços (CIC) da cidade gaúcha de Bento Gonçalves, entidade que representa as três, atribuiu ao “assistencialismo” governamental a responsabilidade pelas centenas de pessoas expostas a condições degradantes.
De seu lado, a ApexBrasil encaminhou nota à reportagem do portal de notícias G1 dizendo que “suspendeu a participação das três empresas em quaisquer iniciativas apoiadas pela agência, como feiras internacionais, missões comerciais e eventos promocionais, até que as investigações das autoridades competentes sejam concluídas”.
A ApexBrasil é um serviço social autônomo vinculado ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), que promove os produtos brasileiros no exterior. As três vinícolas são atendidas pela agência dentro do projeto “Wines of Brazil” (Vinhos do Brasil), uma parceria ApexBrasil com a Uvibra (União Brasileira de Vitivinicultura).
Na nota, a agência disse ainda que cobrou esclarecimentos à Uvibra, no último dia 25, a respeito de medidas adotadas pelas empresas no sentido de coibir a prática dentro da cadeia produtiva e, também, um posicionamento oficial da entidade quanto às condições de trabalho da produção de uva e vinho de todas as empresas que participam do “Projeto Wines of Brazil”. No total, a iniciativa apoia 23 empresas do setor.
Em vez de cobrar empresas por trabalho escravo, entidade atribui ao Bolsa Família culpa pela situação
Em uma nota sem pé nem cabeça e carregada de preconceitos, o CIC, que representa as três vinícolas, culpou o assistencialismo governamental, em uma clara referência ao programa de transferência de renda Bolsa Família, ao fato de muitos brasileiros não quererem trabalhar. Em vez de cobrar as empresas um posicionamento sobre a situação, exigindo medidas para coibir o trabalho escravo na cadeia de produção de uva e vinho, a CIC preferiu escolher outro culpado para tanta desumanidade.
Na nota, a entidade disse que há “uma larga parcela da população com plenas condições produtivas e que, mesmo assim, encontra-se inativa, sobrevivendo através de um sistema assistencialista que nada tem de salutar para a sociedade”. E prossegue: “temos de trabalhar em projetos e iniciativas que permitam suprir de forma adequada a carência de mão de obra, oferecendo às empresas de toda microrregião condições de pleno desenvolvimento dentro de seus já conceituados modelos de trabalho ético, responsável e sustentável”.
Em entrevista ao Brasil de Fato, a pesquisadora Denise de Sordi, que atua nos programas de pós-doutorado do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e da Casa de Oswaldo Cruz, vinculada à Fiocruz, disse: “Falar em um ‘sistema assistencialista’, que nada tem de salutar para a sociedade, é de uma irresponsabilidade imensa. Os programas de transferência de dinheiro, num país tão desigual, que tem um abismo social tão grande como no Brasil, cumprem um papel fundamental e não desincentivam o trabalho”.
De Sordi reforçou ainda que não há qualquer tipo de relação possível entre a falta de mão de obra e o suposto “assistencialismo”. Ela aponta que essa concepção é recorrente quando voltam à tona discussões sobre programas de transferência de renda ou outras políticas públicas para cumprimento de direitos sociais previstos na Constituição Federal. Ela classificou a nota como “absolutamente infeliz”, e apontou que, muitas vezes, não falta mão de obra, e sim condições de trabalho e emprego justas, que permitam que as pessoas trabalhem com segurança, acesso a direitos e proteções sociais.
Entenda no caso
Duzentos trabalhadores, aliciados na Bahia para a safra da uva no Rio Grande do Sul, foram resgatados de situação análoga à escravidão em operação conjunta da Polícia Rodoviária Federal (PRF), Polícia Federal (PF) e Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) na noite de quarta-feira (22) em Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha.
Eles foram contratados por uma empresa que oferecia a mão de obra para as vinícolas Aurora, Cooperativa Garibaldi, Salton e produtores rurais da região. O nome da empresa é Fênix Serviços Administrativos e Apoio à Gestão de Saúde LTDA.
Em denúncia, eles disseram que foram “contratados” pela empresa Oliveira & Santana sob a promessa de receber salários superiores a R$ 3 mil na colheita da uva, com direito a acomodação e alimentação. A realidade que encontraram, no entanto, era outra. O alojamento onde ficavam era totalmente insalubre, havia atrasos nos salários, as jornadas eram exaustivas, além da violência física, alimentação inadequada e até mesmo cárcere privado. Em relato ao Ministério do Trabalho, parte desses homens relatou que castigos com choque elétrico e spray de pimenta eram constantes.
O alojamento onde os trabalhadores eram mantidos ficava no Bairro Borgo, a cerca de 15 km dos vinhedos do município. Quando surpreendidos com as péssimas condições de trabalho, tentaram ir embora. Porém, foram ameaçados e espancados.
O administrador da empresa chegou a ser preso pela polícia, mas pagou fiança e foi solto. As vinícolas que faziam uso da mão de obra análoga à escravidão devem ser responsabilizadas, de acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
Redação ICL Economia
Com informações do portal G1 e do Brasil de Fato