Depois da indústria do ouro ilegal extraído de terras indígenas na Amazônia, o colágeno bovino utilizado para produção de cremes antienvelhecimento também pode esconder por detrás um rastro de destruição ambiental. Reportagem internacional produzida pelo site O Joio e o Trigo em parceria com The Bureau of Investigative Journalism mostra que produtos feitos por multinacionais como a suíça Nestlé estão sendo produzidos com carcaça de gado criado para a morte em terra desmatada na maior floresta tropical do mundo e, também, no Cerrado. A reportagem ainda liga frigoríficos da JBS, Marfrig e Minera a uma cadeia de produção de gado responsável por desmatamento e ocupação de terras indígenas.
Como temos acompanhado recentemente no noticiário, as indústrias do garimpo ilegal, especialmente de ouro, da madeira e da agropecuária, têm sido responsáveis por um verdadeiro desastre ambiental no país, além de impingir muito sofrimento a populações originárias.
Esse cenário de fim de mundo exige que sejamos consumidores mais atentos aos produtos que consumimos, por mais singelos que sejam. Além de todo o dano ambiental e da violência contra os povos indígenas, muitos desses produtos podem ter sido extraídos ou produzidos por mão de obra escrava. A suspeita chegou agora ao colágeno, produto usado com o objetivo de retardar as marcas do tempo na pele.
A reportagem publicada pelo site em parceria com o The Bureau of Investigative Journalism, o jornal britânico The Guardian e com a também britânica rede televisiva ITV mostra que dezenas de milhares de cabeças de gado criadas em fazendas envolvidas em desmatamento na Amazônia e no Cerrado foram abatidas em grandes frigoríficos ligados à cadeia internacional de colágeno.
A indústria do colágeno movimenta cerca de US$ 4 bilhões ao ano e cresceu 15% nos últimos 5 anos, de acordo com a Allied Market Research. Os dados foram publicados no site Monitor do Mercado.
Como essa indústria ainda não é regulada, diferentemente da carne, o rastreamento de cadeia permanece um tanto obscuro.
A investigação da equipe rastreou o caminho de parte do colágeno extraído da pele de boi e chegou até a multinacional suíça Nestlé, que comercializa a proteína pela marca Vital Proteins, um fenômeno de vendas que tem a atriz norte-americana Jennifer Aniston, do famoso seriado Friends, como diretora criativa e garota-propaganda da marca. No Brasil, a Vital Proteins é vendida em diversas farmácias.
Utiizando dados da Center for Climate Crime Analysis (CCCA), a reportagem encontrou ao menos 2.600 quilômetros quadrados de desmatamento desde 2008 ligados à cadeia de suprimentos de duas empresas localizadas em território brasileiro: a Rousselot e a Gelnex, ambas com conexão com a norte-americana Darling.
Boa parte do colágeno bovino saiu de abatedouros ligados a frigoríficos da JBS, Mafrig e Minerva
A investigação constatou que boa parte dos abatedouros envolvidos nos casos são de fornecedores indiretos da JBS. A maior parte das fazendas fornecedoras envolvidas em desmatamento ficam nos estados do Pará e no Tocantins.
Não há, no entanto, o percentual preciso de colágeno bovino que sai dessas propriedades para a produção do Vital Proteins. O que se sabe é que a Nestlé, dona da marca, compra colágeno da Darling Ingredients, cuja empresa no Brasil, a Rousselot, compra parte de sua matéria-prima da Marfrig.
Além da Marfrig, frigoríficos da Minerva e da JBS também estão ligados a uma cadeia de produção de gado responsável por desmatamento e ocupação de terras indígenas.
Em setembro de 2022, reportagem do mesmo pool de mídia publicou uma investigação inédita, que aponta que uma fazenda dentro de território reivindicado pelo povo indígena Mỹky, no norte do estado do Mato Grosso, forneceu gado para abatedouros da Marfrig listados como fornecedores da Nestlé pela multinacional suíça.
Procurada pela reportagem, a Darling Ingredients disse que a empresa e sua subsidiária Rousselot monitoram seus fornecedores e removem aqueles que não atendem aos critérios de fornecimento responsável. Um porta-voz acrescentou ainda que as empresas “desempenham um papel crucial” na “coleta e reaproveitamento de subprodutos animais que, de outra forma, seriam descartados”.
A empresa também disse que não poderia comentar sobre a Gelnex, já que a aquisição, ocorrida em outubro de 2022, ainda não foi finalizada. A Darling ofereceu US$ 1,2 bilhão pela compra de todas as ações da Gelnex no ano passado, com a finalidade de incrementar a sua produção de colágeno.
A Gelnex vende colágeno para produtos de saúde, ingredientes alimentícios e outros fabricantes em todo o mundo. A sede da empresa fica em Araguaína, no norte do Tocantins, e grande parte da matéria-prima usada vem da Durlicouros, um fabricante de couro localizado na cidade vizinha de Wanderlândia.
A Durlicouros, por sua vez, obtém as peles de gado dos abatedouros da JBS e da Minerva. Centenas desses animais são criados em fazendas que pressionam a Terra Indígena Mãe Maria, no sudeste do Pará, e invadem outras terras indígenas.
O lado dos frigoríficos
Segundo o site Monitor do Mercado, JBS, Marfrig e Minerva já calculam o risco de terem fornecedores em áreas protegidas, bem como o impacto disso em suas ações. Em outras palavras, os frigoríficos fazem vistas grossas ao comportamento de seus fornecedores, em uma clara demonstração de crença na impunidade.
Ao site, a JBS disse que “não pode garantir que seus fornecedores de matérias-primas estejam em conformidade com todas as leis e regulamentos ambientais e trabalhistas aplicáveis” e que “pode estar sujeita a multas e outras penalidades que podem afetar adversamente sua imagem, reputação, negócios, condição financeira e resultados operacionais”.
Do mesmo modo, a Minerva comentou que está exposta a “comportamentos incompatíveis com a sua ética e padrões de conformidade e sujeitos a violações de seu código de conduta em decorrência de conduta ilícita nos negócios” e cita o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado com o Ministério Público do Pará, segundo o qual ela estaria obrigada a “somente adquirir gado de fazendas que estivessem em conformidade com os requisitos constantes dos compromissos assumidos, quais sejam: as fazendas fornecedoras não poderão estar localizadas em áreas protegidas para a conservação da biodiversidade, com terras indígenas, envolvidas com trabalho escravo, conflito agrário, ou em áreas embargadas pelo IBAMA”.
Por fim, a Marfrig informou, em documento entregue à CVM (Comissão de Valores Mobiliários), que o “sucesso da companhia depende, entre outros fatores, de sua capacidade de manter e aperfeiçoar a imagem e reputação da sua marca perante consumidores e fornecedores”, algo que deve ser afetado pela má conduta de seus fornecedores.
Redação ICL Economia
Com informações do site O Joio e o Trigo