Artigo de Deborah Magagna e André Campedelli *
A inflação brasileira está bem comportada durante este ano e, pela primeira vez em muito tempo, a expectativa é que esta fique dentro do intervalo estabelecido dentro do regime de metas de inflação, que tem 4,75% de teto. Uma das características mais marcantes é que está ocorrendo uma deflação de alimentos ao mesmo tempo em que as pressões geralmente vêm dos combustíveis, pelo menos nos últimos meses. E, como mostrou o IPEA, isso vem sendo mais benéfico para as pessoas com menor renda na economia brasileira. Porém, nem sempre a percepção das pessoas é esta, e este artigo vai tentar mostrar o que está ocorrendo de fato com a situação inflacionária do Brasil neste ano.
Para começar, a inflação é um índice geral de preços, é como se fosse uma grande média, que atribui peso para a maioria dos produtos que são consumidos pelos brasileiros e, a partir da variação individual de cada um destes produtos, é que o valor final da inflação aparece. O grupo que possui o maior peso na inflação é o de alimentos e bebidas. Então, caso ocorra um impacto, seja inflacionário, seja deflacionário, ele vai ter grande relevância na explicação do fenômeno no final de um período.
E o que está acontecendo este ano é justamente isso. Em termos gerais, vemos que está ocorrendo uma queda do preço dos alimentos, com destaque para as carnes, tanto bovina quanto de aves, além de grãos como feijão, derivados de trigo, frutas, hortaliças e legumes. Isso tem um grande impacto de forma geral, e, além disso, um impacto importante para as pessoas com menor renda na economia brasileira. Quanto menor a renda, maior é o peso dos alimentos na cesta de consumo das pessoas, e, por isso, a inflação está tendo impacto tão baixo neste estrato social.
Ao mesmo tempo, os combustíveis estão com seu preço se elevando nos últimos meses, principalmente a gasolina. Porém, o impacto não é tão elevado para o gás de botijão. A gasolina está mais presente em consumidores com renda média e também alta, pois são pessoas que possuem carro. Então, para estas pessoas, o impacto está sendo maior do que para as pessoas de menor renda. Logo, estas acabam tendo uma percepção inflacionária maior do que aquela que de fato está acontecendo. Por isso, muitas pessoas não estão conseguindo entender que de fato temos um alívio na conta das pessoas, principalmente as de menor poder aquisitivo.
E, por fim, temos um último aspecto, que é a elevação do preço dos serviços. Este é um grupo que tem se elevado com maior velocidade do que os demais. Estes são extremamente sensíveis ao aumento de renda das pessoas e tem no salário seu principal fator de custo. O aumento do preço dos serviços está ligado com a melhoria da vida das pessoas deste ramo, que estão ganhando mais, se aproveitando de um melhor momento econômico e também com a alta do salário mínimo. Então, neste caso, para aqueles que consomem os serviços, existe um incômodo de maiores preços, porém, aqueles que
trabalham no setor, veem seus rendimentos se elevando.
Cada pessoa possui uma cesta de consumo única, e seria impossível fazer uma mensuração individual do impacto inflacionário. Então, o que temos é que, na média, a inflação, sim, está se reduzindo e sendo de menor impacto para as pessoas pobres. É normal para um país que viveu uma grande crise inflacionária nos anos 1980 ter essa memória e este medo da questão, além de desconfiar e sempre achar que “está tudo caro” quando vai no mercado. Mas os números não mentem, e temos sim uma situação inflacionária, e, além disso, um momento raro, em que o peso está menor para as pessoas com menor renda. Então, esse é o retrato inflacionário deste ano de 2023.
*Deborah Magagna é economista do ICL, graduada pela PUC-SP, com pós-graduação em Finanças Avançadas pelo INSPER. Especialista em investimentos e mercados de capitais
*André Campedelli é economista do ICL e professor de Economia. Doutorando pela Unicamp, mestre e graduado em Ciências Econômicas pela PUC-SP, com trabalhos focados em conjuntura macroeconômica brasileira