O programa Auxílio Brasil, que pagará, a partir desta terça-feira (9), R$ 600 mensais até dezembro a 20,2 milhões de famílias, já começa a mostrar as falhas de seu planejamento feito a toque de caixa a poucos meses antes das eleições. Isso porque, com o crescimento do empobrecimento da população, principalmente nas maiores cidades do país, muitos cidadãos e cidadãs brasileiros em situação de insegurança alimentar não conseguem se cadastrar para receber o benefício.
Levantamento feito pelo Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) apontou que metade das pessoas em situação de rua no Brasil não tem registro no CadÚnico (Cadastro Único), o caminho pelo qual podem ter acesso aos programas de benefícios do governo federal, como o Auxílio Brasil e o Benefício de Prestação Continuada (BPC).
Ao não constar no CadÚnico, essa parcela da população brasileira é jogada na invisibilidade. Muitas pessoas não conseguem se inscrever no cadastro porque não têm, por exemplo, a documentação necessária, especialmente aqueles que moram nas ruas das grandes metrópoles.
O estudo feito pela UFMG e mostrado em reportagem do Jornal Nacional apontou que, no início da pandemia, em março de 2020, três em cada dez pessoas em situação de rua estavam fora do CadÚnico. A situação se agravou em dezembro do ano passado, quando cinco em cada dez pessoas em situação de rua não estavam no cadastro.
Além disso, o número de prefeituras que cadastram esses moradores diminuiu de 3.435, no início da pandemia de Covid-19, caindo para 2.055 municípios no ano passado.
Os pesquisadores do observatório da UFMG também mostram que falta coordenação sobre esses programas de benefícios, tanto no âmbito federal quanto no estadual. “Já não faziam antes e nós víamos graves problemas; e não fizeram isso durante a pandemia e ainda não fazem isso (monitoramento). Os governos municipais, em outra medida, precisam se esforçar mais, precisam se organizar de uma melhor forma, colocar mais pessoas nas ruas, justamente para ir ao encontro dessas populações tão vulnerabilizadas que nós temos nas nossas cidades”, afirma André Dias, do POLOS-UFMG.
Somente a partir do monitoramento dessas populações é que se pode administrar de maneira mais eficiente essas políticas públicas, de modo a fortalecê-las, na opinião do pesquisador.
Expansão do Auxílio Brasil contrasta com aumento da população de rua e insegurança alimentar
Se, por um lado, o Auxílio Brasil poderá atender 20,2 milhões de famílias ou 56,4 milhões de brasileiros (26% da população), de outro, o programa não consegue alcançar a expansão do empobrecimento das famílias brasileiras.
Dados da Rede Penssan (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional) mostram que apenas quatro entre 10 famílias brasileiras têm acesso pleno à alimentação. De modo geral, são, atualmente, 116 milhões de cidadãos e cidadãs brasileiros convivendo com algum grau de insegurança alimentar.
A fome atinge ainda com mais força lares chefiados por mulheres, a maioria pretas e pardas, sem escolaridade e com empregos informais. Além disso, somente 35,9% das mães solos em todo o país conseguem garantir alimentação dentro de casa. Se ela for negra, esse índice cai para 10%.
A ONG (Organização Não Governamental) aponta que há 19 milhões de famílias brasileiras numa espécie de limbo: dependiam do auxílio emergencial, criado na pandemia e pago pela última vez em outubro de 2021, mas não integram os 20,2 milhões do Auxílio Brasil.
Apesar de trocar o nome do Bolsa Família – que beneficiava, em média, 14,6 milhões de famílias recebendo R$ 190 mensais – para Auxílio Brasil, especialistas acreditam que o programa foi mal desenhado e, por isso, não acompanha o empobrecimento nas maiores cidades do Brasil.
Especialistas ouvidos em reportagem publicada no jornal O Globo apontam que são ao menos 8,3 milhões de “invisíveis” no Brasil. Segundo eles, essas pessoas teriam direito a pedir o benefício se houvesse correção integral do valor que marca a linha da pobreza pela inflação desde 2004, quando foi institucionalizado o Bolsa Família.
Os economistas Alysson Portella e Sergio Firpo, do Insper, calculam que as atuais linhas de pobreza (renda per capita familiar de R$ 210 mensais) e de extrema pobreza (R$ 105) estão defasadas. Em janeiro de 2004, quando o Bolsa Família foi instituído, eram, respectivamente, R$ 100 e R$ 50.
Segundo cálculos feitos por eles, se aqueles valores fossem corrigidos com base no IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) do período, passariam a, respectivamente, R$ 143 e R$ 287.
Isso significa que, como a correção até agora foi menor que a inflação, 8.265.501 brasileiros que estão em famílias com renda per capita entre R$ 210 e 287 não podem pedir o Auxílio Brasil.
“O número de pessoas é alto, e me surpreendeu. O Brasil é um país muito pobre e desigual. Qualquer mudança na renda per capita influencia muito, e nós sabíamos que a falta de correção das linhas aliada à inflação alta teria forte efeito”, diz Portella.
Quando o Bolsa Família virou Auxílio Brasil, o relator do projeto de lei, deputado Marcelo Aro (PP-MG), chegou a anunciar correção automática da linha da pobreza pela inflação, mas recuou sem o aval do governo.
Contudo, a defasagem da linha de pobreza é apenas um dos problemas apontados. O fato é que o governo, segundo especialistas, elaborou o programa às pressas, para que o projeto fosse aprovado a toque de caixa a meses antes das eleições. Ou seja, a reformulação, por meio da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) Eleitoral, atendeu mais aos anseios eleitorais do presidente Jair Bolsonaro, candidato à reeleição, do que benefícios, de fato, à população vulnerável do país.
Apesar dos cálculos mostrados pelos especialistas, o número real de brasileiros com direito ao benefício é bastante difícil de mensurar, devido aos problemas já apontados.
Um dos termômetros da ineficiência é a corrida aos serviços de assistência social para entrar no programa em algumas cidades brasileiras.
Outro pesquisador, Bruno Paixão, da FGV (Fundação Getúlio Vargas), aponta que o programa falha ao distribuir indiscriminadamente os recursos, sem distinguir o número de pessoas em cada família. Além de menos eficaz no combate à pobreza, segundo ele, isso aumenta o gasto do governo. O orçamento anual do antigo Bolsa Família, na faixa de R$ 35 bilhões anuais, dará lugar a R$ 160 bilhões com o benefício de R$ 600 do Auxílio Brasil.
“Você poderia atender a muitas mais pessoas, com o mesmo recurso, seria mais efetivo. O programa é ineficiente nisso. Do jeito que está hoje não há distinção das vulnerabilidades”, critica.
Sobre o ajuste de valores com base no IPCA, o Ministério da Cidadania afirma que o último reajuste do benefício teve como parâmetro o IPCA, entre 2018 e 2021, respeitando a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). A pasta destacou ainda que o governo federal trabalhou para que o Auxílio Brasil “apresentasse uma resposta eficaz às necessidades dos brasileiros mais afetados pelas consequências socioeconômicas da pandemia” e que contou com consultoria de organismos internacionais, como Banco Mundial e Agência Francesa de Desenvolvimento, para desenvolver o programa.
Redação ICL Economia
Com informações das agências de notícias