Banqueiros cobram Lula sobre ‘ruídos’ de incertezas fiscais e criam grupo de trabalho para reduzir juros; presidente volta a defender gastos com educação e saúde

Os representantes do mercado financeiro presentes na reunião disseram ao presidente que reconheciam os resultados positivos da economia brasileira.
17 de outubro de 2024

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se reuniu ontem (16) com a cúpula da Febraban (Federação Brasileira de Bancos) e executivos de instituições financeiras, que voltaram a pressionar o governo para acabar com ruídos sobre a questão fiscal. A discussão ocorre no momento em que a equipe econômica desenha um programa de corte de gastos para cumprir a meta fiscal de zerar o déficit neste e no próximo ano.

Antes do encontro, no entanto, o presidente voltou a defender os gastos com Educação e Saúde. Como sempre vem reiterando, o petista diz que não são gastos, mas “investimentos”. Além disso, Lula sabe que não foi eleito para cortar gastos nessas áreas, consideradas cruciais em seu governo.

Um relatório divulgado pelo Tesouro Nacional este ano apontava que o governo pode ter até R$ 131 bilhões a mais para outros gastos de custeio e investimentos, até 2033, caso os pisos destinados para a Saúde e Educação sejam flexibilizados.

Em 2024, os mínimos constitucionais para as duas áreas voltaram a ser vinculados à arrecadação. O piso da Saúde equivale a 15% da RCL (receita corrente líquida), enquanto o da Educação representa 18% da RLI (receita líquida de impostos).

Os representantes do mercado financeiro presentes na reunião disseram ao presidente que reconheciam os resultados positivos da economia brasileira, com crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) mais robusto, renda em alta e desemprego em queda. Mas ponderaram que o ambiente de incertezas fiscais não ajuda a reduzir o dólar e a taxa de juros de mercado com prazo de vencimento longos para facilitar o trabalho do Banco Central de controle da inflação.

Segundo reportagem da Folha de S.Paulo, um dos banqueiros presentes na reunião afirmou a Lula que ele “sabe, lê e vê” o porquê de os ativos estarem desconectados. O executivo continuou dizendo que o dólar não está caindo, a Selic voltou a aumentar e a inflação está “batendo no teto”, concluindo que o presidente precisa dissipar os ruídos e as incertezas.

Porém, a reportagem diz que o tom da conversa foi ameno e sem cobranças, mas de reforço da agenda do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de corte de despesas. Os banqueiros reforçaram, contudo, que o governo emitisse sinais claros na área fiscal para baixar dólar e juros.

Participaram o presidente da Febraban, Isaac Sidney, Luiz Trabuco Cappi (Bradesco e presidente do Conselho Diretor da Febraban), André Esteves (BTG), Milton Maluhy (Itaú Unibanco), Mario Leão (Santander) e Marcelo Noronha (Bradesco), além dos ministros Haddad e Alexandre Padilha (Relações Institucionais).

Lula disse no encontro que tinha muita confiança no trabalho do seu ministro da Fazenda, e que fará o necessário para o Brasil crescer com equilíbrio fiscal.

Haddad, por sua vez, afirmou que não há outro caminho para que o Brasil possa crescer com equilíbrio fiscal se não houver realmente medidas concretas.

A leitura dos banqueiros da fala do presidente foi a de que Lula concordou com Haddad da necessidade de medidas de corte de despesas.

Banqueiros definem grupo de trabalho com representantes do setor financeiro para buscar caminhos para reduzir os juros no Brasil

O encontro, realizado no Palácio do Planalto, resultou na criação de um grupo de trabalho no Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável (Conselhão), com o objetivo de diagnosticar e propor soluções para a redução dos juros bancários. A proposta foi bem recebida pelos participantes, que também elogiaram o cenário econômico atual, marcado por crescimento, geração de empregos e inflação sob controle.

Isaac Sidney, presidente-executivo da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), foi um dos principais defensores da iniciativa. Segundo ele, o país vive um momento favorável, mas é preciso aproveitar essa janela para atacar problemas estruturais. “O Brasil atravessa um momento de conjuntura econômica bastante positivo, com atividade econômica crescendo num patamar elevado e inflação sob controle”, afirmou Sidney, acrescentando que o diálogo com o governo foi essencial para avançar no tema dos juros. “Hoje reiteramos com o presidente Lula, que autorizou que formalizássemos uma frente, um fórum para debater as causas elevadas dos juros bancários”.

O grupo de trabalho autorizado por Lula reunirá, além da Febraban e dos bancos privados e públicos, representantes do Ministério da Fazenda e do Banco Central. O objetivo é debater de forma ampla e estrutural as causas dos altos juros e propor medidas para aliviar o custo do crédito, que tem impacto direto no consumo e nos investimentos das empresas. Entre os presentes estavam Milton Maluhy, CEO do Itaú, Marcelo Noronha, do Bradesco, Mario Leão, do Santander, além de André Esteves, presidente do Conselho de Administração do BTG, e Luiz Carlos Trabuco, presidente do Conselho Diretor da Febraban.

Sidney destacou que a redução das taxas de juros é uma preocupação compartilhada pelo setor bancário. “Quanto mais altos forem os juros bancários, maior o risco de crédito e a inadimplência. O que queremos é um ambiente de crédito sadio, que possa permitir condições favoráveis para famílias e empresas”, explicou. Ele classificou o encontro como “um diálogo franco e aberto”, que resultou no compromisso de seguir buscando soluções conjuntas.

O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, também participou da reunião e aproveitou para ressaltar o esforço do Governo Federal em aprovar medidas de grande relevância para a economia, como o arcabouço fiscal, a reforma tributária e o marco legal das garantias de empréstimo. “Essas ações já permitiram uma redução do custo do crédito no nosso país. Reafirmamos a prioridade do governo em concluir a regulamentação da reforma tributária até o final deste ano”, afirmou Padilha.

Fernando Haddad, ministro da Fazenda, resumiu as quase duas horas de conversa destacando três pontos principais: o bom desempenho da economia brasileira, os desafios relatados pela Febraban e as perspectivas positivas para o futuro. “O balanço muito positivo da economia até aqui, desafios importantes relatados pela Febraban e as perspectivas da economia brasileira, que todo mundo reconhece que são animadoras se continuarmos essa agenda importante”, concluiu Haddad.

Com a criação do grupo de trabalho, o governo e os representantes do setor financeiro esperam construir um ambiente mais favorável ao crédito, onde as taxas de juros possam ser progressivamente reduzidas, contribuindo para o fortalecimento da economia e o bem-estar da população.

Lula volta a defender gastos com educação e saúde

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) voltou a defender nesta quarta-feira (16) gastos com saúde e educação, após Fernando Haddad (Fazenda) defender a reestruturação de despesas.

O chefe do Executivo disse que é preciso saber para quem governar e mencionou que, dos 213 milhões de brasileiros, 81 milhões ganham no máximo três salários mínimos. A fala ocorreu durante cerimônia no Palácio do Planalto, no Dia Mundial da Alimentação, antes de encontro de Lula com banqueiros.

Lula disse que a única alternativa para governar um país grande e desigual como o Brasil é dar preferência aos mais pobres, na hora de utilizar recursos públicos.

“Qual é o problema que nós enfrentamos? É um problema que repercute nas manchetes dos jornais, repercute nos editoriais dos jornais, repercute no chamado mercado. Toda vez que a gente está cuidando de fazer política social é tratado como gasto. Não é à toa. Foi uma doutrina de palavras criadas para induzir a gente a determinados erros”, completou, sem explicar quais erros seriam esses.

Lula comparou a situação com a de um empresário que decide fazer investimentos da empresa para melhorar a situação do trabalhador, por exemplo. “No caso do governo, do estado e da prefeitura é o seguinte: você vai colocar mais dinheiro na saúde, é gasto. Você vai colocar mais dinheiro na educação, é gasto”.

As declarações foram feitas durante discurso na cerimônia de assinatura do Plano Nacional de Abastecimento Alimentar, o “Alimento no Prato”, e do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, no Palácio do Planalto, em decorrência do Dia Mundial da Alimentação.

A agenda seguinte do presidente foi com os banqueiros. Apesar de já ter recebido representantes do setor individualmente, este foi o primeiro grande encontro com nomes das principais instituições financeiras do país.

As falas de Lula ocorrem num momento em que a equipe econômica, a dois meses e meio do fim do ano, busca formas de reestruturar as despesas para impedir que elas inviabilizem o arcabouço fiscal.

À Folha, o ministro Fernando Haddad disse que é “premente” e está “na ordem do dia” alterar a dinâmica dos gastos do governo e o impacto deles na dívida pública —que só cresce.

Na mesma entrevista, o ministro falou em “batata quente” dos gastos no país, com “questões estruturais que precisam ser resolvidas”.

“É tão urgente resolver o problema que a reestruturação das despesas deve ocorrer antes mesmo da reforma tributária sobre a renda, até então prevista para ser enviada ao Congresso até o fim do ano”, disse.

Haddad afirmou ainda que Lula “conhece o contexto e está atento”, e que é possível resolver essa questão prioritária sem transformar o Brasil na Argentina, em que a taxa de pobreza disparou para 52,9% depois do ajuste fiscal promovido pelo presidente Javier Milei.

O governo prepara medidas de contenção de gastos obrigatórios para apresentar ao Congresso após a realização do segundo turno das eleições, em 27 de outubro.

Um primeiro pacote buscará tratar pontualmente de gastos específicos, iniciativa que deve ser acompanhada de um segundo eixo com propostas mais estruturais e “mais duras”, acrescentou, sem dar detalhes.

Uma das medidas em estudo na Fazenda para cortar despesas é limitar os supersalários no setor público e mudanças no desenho do seguro-desemprego.

Um integrante da equipe econômica confirmou à Folha que a ideia é buscar um acordo no Congresso para aprovação do projeto de lei que regulamenta os supersalários e limita a poucas exceções o pagamento fora do teto remuneratório do funcionalismo, que tem como base o salário dos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), atualmente em R$ 44 mil.

Redação ICL Economia
Com informações da Folha de S.Paulo

 

 

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