Sob governo Bolsonaro, Programa de Cisternas engana moradores do semiárido mineiro, que são forçados a pagar para ter água

Iniciativa, criada na primeira gestão do presidente Lula para levar água a famílias e pequenos produtores rurais de regiões de seca, foi sucateada no governo Bolsonaro. Em 2022, programa teve o pior resultado em 20 anos
30 de janeiro de 2023

O Programa de Cisternas foi mais uma das iniciativas sociais sucateadas pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), mas, neste caso, com um componente perverso. Famílias pobres de comunidades isoladas do semiárido de Minas Gerais tiveram que pagar para serem beneficiadas pelo programa do governo federal, o qual já tinha orçamento destinado a essa finalidade.

Conforme reportagem do jornal Folha de S.Paulo feita em parceria com o Google, o contrato para construir as cisternas usadas para captar e armazenar água de chuva para aquela região era de R$ 15 milhões e previa a instalação de 3.012 cisternas em cinco municípios contemplados por um convênio firmado entre o Consórcio Inframinas, que reúne prefeituras da região, e o então Ministério da Cidadania da gestão Bolsonaro. As obras de execução das cisternas ficaram a cargo da Ceapa (Central das Associações de Agricultura Familiar), entidade privada sem fins lucrativos com sede em Alagoas. Até o momento, no entanto, foram entregues apenas 590 com capacidade de 16 mil litros.

Ainda segundo a reportagem, o Ministério da Cidadania ficou responsável por quase a totalidade do convênio, no valor de R$ 15 milhões. Contudo, no sistema Mais Brasil, do governo federal, consta que R$ 12,6 milhões desse montante foram desembolsados.

Contudo, o convênio não previa contrapartida das famílias beneficiárias, uma vez que elas vivem em situação de vulnerabilidade social. Os moradores foram enganados, portanto, e disseram ao jornal que tiveram que recorrer a empréstimos para bancar parte da construção das cisternas. Por essa razão, alguns desistiram de participar do programa.

A reportagem procurou o Ministério de Integração e Desenvolvimento Regional (novo nome para o Ministério da Cidadania), agora sob o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), para comentar o assunto. A pasta informou que, diante da gravidade do caso, vai suspender a entidade responsável pela cobrança. Disse ainda que a Ceapa poderá ser descredenciada, conforme as regras desse tipo de convênio federal.

Também procurada pela reportagem, a direção da Ceapa disse que cobrou a contrapartida dos moradores porque considerou inicialmente que as prefeituras iriam arcar com parte dos custos das obras. Como não houve essa contribuição, se viu obrigada a pedir a participação dos beneficiários. A entidade afirmou que passou a ressarcir os beneficiários.

A direção da entidade enviou à reportagem comprovantes de ressarcimento no valor de R$ 700 pagos a nove beneficiários, um relatório da capacitação para gestão da água que ocorreu na comunidade de Esporas e cinco listas de oficinas de capacitação.

Em 2022, Programa de Cisternas teve o pior resultado em 20 anos, com a construção de apenas 3.698 unidades

Outra reportagem do portal UOL sobre o tema mostra que a construção de cisternas para moradores do semiárido teve o pior resultado em 20 anos no âmbito do Programa Cisternas, destinado a garantir a reserva de água a famílias que vivem em área rural em regiões de seca. Dados do MDS (Ministério da Assistência e Desenvolvimento Social, Família e Combate à Fome) mostram que foram construídas 3.698 cisternas em 2022, o menor número da série histórica do programa.

No total, são 350 mil pessoas na fila de espera pelo equipamento familiar, capaz de armazenar 16 mil litros de água, conforme dados da ASA (Articulação do Semiárido), organização que congrega mais de 3 mil entidades e que foi a idealizadora do projeto de universalizar cisternas.

Segundo a reportagem, a fila é ainda maior para a construção de cisterna de produção (com capacidade para 52 mil litros para abastecer produções e pequenas criações de animais). São 800 mil pessoas aguardando neste caso.

Para efeito de comparação, em 2014, sob o governo de Dilma Rousseff, foram entregues quase 150 mil cisternas. Ao longo do governo Bolsonaro, esse número caiu drasticamente, para 30.583 (2019), 8.310 (2020), 4.305 (2021) e 3.698.

Criado no primeiro governo do presidente Lula, o Programa de Cisternas foi abandonado pela gestão Bolsonaro. O coordenador da ASA, Naidson Batista, disse à reportagem do UOL que a iniciativa foi crucial devido “ao seu alcance, significado e resultados transformadores” em períodos de seca.

Redação ICL Economia
Com informações da Folha de S.Paulo e do UOL

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