O governo do então presidente Fernando Collor (hoje no PTB) lançou há pouco mais de 30 anos um ambicioso plano de privatizações no Brasil: o Programa Nacional de Desestatização (PND), que deu início a uma série de vendas de empresas públicas.
Baseado em argumentos neoliberais e em recomendações do Fundo Monetário Internacional (FMI), o PND tinha dois objetivos: arrecadar dinheiro para pagamento da dívida pública e aumentar o nível de investimentos no país abrindo espaço para o setor privado.
Esses objetivos, de fato, não foram cumpridos. As estatísticas oficiais demonstram isso.
Mas, apesar disso, o presidente Jair Bolsonaro (PL) resolveu dar novo fôlego ao PND, vendendo inclusive o controle da Eletrobras, maior empresa elétrica da América Latina. Mais do que isso. Ele promete em sua campanha à reeleição aumentar as privatizações, vendendo até a Petrobras. E essa promessa é feita justamente quando, mundo afora, governos decidem retomar o controle de companhias hoje privadas.
Segundo monitoramento realizado pela entidade holandesa Transnational Institute (TNI), houve 1.599 casos de “desprivatização” de serviços no mundo desde o ano 2000.
De acordo com dados tabulados pelo TNI, de 2000 a 2010, 418 casos ocorreram – média de 38 por ano. Já de 2011 a 2021, foram 1.127 casos – média de 100 por ano, alcançando um teto de 196 casos só durante 2016.
O levantamento do TNI é feito com bases também em indicações de cidadãos sobre reestatização de empresas mundo afora. Pode, portanto, não trazer um panorama completo sobre o assunto e, inclusive, omitir casos recém-anunciados.
Não está no levantamento do TNI, por exemplo, o caso da Électricité de France (EDF), maior empresa de energia da França, cuja nacionalização foi anunciada pelo governo em julho. Também não consta a reestatização da gigante de energia alemã Uniper, anunciada pelo governo nesta semana.
Privatizações de energia na Europa
No caso da reestatização das empresas de energia na Alemanha e França, isso está diretamente relacionado à guerra entre Rússia e Ucrânia, iniciada em fevereiro. Com ela, o fornecimento de gás russo foi comprometido. O preço da energia subiu muito e governos viraram-se obrigados a assumir o controle de companhias para segurar tarifas.
Vão, inclusive, gastar bilhões de euros para isso. Na França, o governo estima 5 bilhões (cerca de R$ 27 bilhões); no caso da Alemanha, serão 29 (cerca de R$ 147 bilhões).
Segundo o TNI, aliás, a busca por redução de custos é a segunda razão mais frequente para desprivatização de companhias: 278 casos (17% do total). O motivo mais frequente é a má qualidade de serviços prestados por companhias privadas: 355 casos (22%).
O terceiro motivo mais comum é a busca pelo controle democrático das empresas (11,6%) e o quarto, a implementação de políticas públicas por meio das companhias (11,5%).
Segundo Mauricio Weiss, economista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a nacionalização de empresas estratégicas também ganhou evidência por conta da pandemia. Países que tinham estrutura estatal para produção de vacinas e máscaras, como a China, conseguiram reagir mais rápido ao covid.
Por causa da pandemia e da guerra, até o FMI, que sempre defendeu as privatizações, começou a rever suas recomendações, disse Weiss.
“Globalmente, a questão da privatização perdeu muito passo na agenda. Com a pandemia e a guerra, ficaram mais evidentes essas questões estratégicas, como da energia.”
“Cego e surdo”
Para a professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Simone Deos, o governo brasileiro atua na contramão do mundo ao privatizar a propor mais privatizações.
“Parece surdo e cego ao que acontece no resto do mundo”, reclamou referente as privatizações.
Durante a gestão Bolsonaro, o governo privatizou 36% das estatais brasileiras. Quando ele assumiu a Presidência, a União controlava 209 empresas. Hoje, são 133.
A última privatização relevante realizada foi a venda do controle da Eletrobras, concluída em junho.
Segundo Daniel Negreiros Conceição, economista e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o governo age assim pois está sob influência de grandes empresários. São eles os grandes interessados nas privatizações.
“Os capitalistas obviamente não querem enfrentar a concorrência estatal”, disse Conceição. “Cada vez que você estatiza e começa a promover serviços públicos, você tira a oportunidade do setor privado fazer isso. Então o sonho do capitalista é a privatização.”
Grandes privatizações desde 1990:
Governo Fernando Collor (1990 a 1992)
. Usiminas (siderúrgica)
. Governo Itamar Franco (1992 a 1994)
. Companhia Siderúrgica Nacional
. Embraer (aviação)
. Governo Fernando Henrique Cardoso (1995 a 2002)
. Telebras (telefonia)
. Vale do Rio Doce (mineração)
. Bancos estaduais
Dilma Rousseff (2011 a 2016)
. Instituto de Resseguros do Brasil (seguradora)
. Michel Temer (2016 a 2018)
. Distribuidoras de energia
. Linhas de transmissão
Jair Bolsonaro (2019 a 2022)
. Eletrobras (energia)
. BR Distribuidora (combustíveis)
. Transportadora Associada de Gás – TAG (combustíveis)
. Refinaria Landulpho Alves (combustíveis)