O governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) utilizou quase todos os recursos previstos para a saúde indígena, o que inclui os do território yanomami. Conforme dados do Portal da Transparência, o Programa de Proteção e Recuperação da Saúde Indígena teve orçamento de R$ 6,13 bilhões. Desses, R$ 5,44 bilhões foram, de fato, gastos pela gestão anterior. Sendo assim, por que vemos a crise humanitária que se abateu sobre indígenas da etnia yanomami, com crianças e adultos desnutridos, famintos, doentes de malária e muitos indo a óbito? Ao que tudo indica, porque os recursos foram desviados de sua finalidade principal.
De acordo com informações da coluna de Alvaro Gribel, do jornal O Globo, o montante usado, que corresponde a 88% do total de recursos, dá a falsa impressão de que o governo fez, sim, a sua parte. Só que não. Isso porque boa parte do dinheiro beneficiou organizações pouco eficientes e até mesmo garimpeiros donos de empresas de transporte aéreo na região.
A análise feita pelo jornalista mostra que a entidade que mais recebeu recursos foi uma ONG (organização não governamental) evangélica chamada Missão Caiuá, que diz “estar a serviço do índio para a glória de Deus”. Lembrando que a responsável pela pasta da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos do governo Bolsonaro era a agora senadora e pastora Damares Alves. O ministério era o responsável pela distribuição dos recursos.
Somente essa organização, cuja sede fica no Mato Grosso do Sul, recebeu, nos quatro anos de mandato de Bolsonaro, R$ 872 milhões. O valor é quase o dobro da segunda entidade que mais recebeu recursos, o Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueiredo, com R$ 462 milhões.
Ouvido pela coluna, o presidente da Urihi Associação Yanomami, Júnior Hekurari Yanomami, explicou que a ONG Cauá faz apenas a contratação de funcionários, como médicos e enfermeiros, mas que nenhum representante da entidade tem entrado nas terras indígenas nos últimos quatro anos. Ou seja, tudo indica que salários foram pagos, mas sem a execução correta do serviço.
Outra fonte que trabalhou na Funai (Fundação Nacional do Índio), mas que preferiu não ser identificada, disse que a Cauá contrata pessoal pelo período de um ano, fazendo demissões em dezembro para ir recontratando em janeiro, o gera um déficit de profissionais de saúde no começo do ano.
Território yanomami recebeu R$ 51 milhões de recursos para cuidar da saúde indígena
A grave crise humanitária que afeta os indígenas yanomami, que levou inclusive o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e parte de seus ministros a visitar Roraima no fim de semana, escancara o total abandono do governo Bolsonaro à população indígena do país. Os yanomami, em particular, sofrem com o avanço do garimpo ilegal, que cresceu nos anos de Bolsonaro na Presidência.
Dados do Portal da Transparência mostram que foram destinados a esse grupo R$ 51 milhões de um orçamento de R$ 59 milhões em 2022 . Júnior Hekurari Yanomami disse ao colunista de O Globo que a maior parte dessa verba foi utilizada para a contratação de empresas de transporte aéreo, como aviões e helicópteros, que levam médicos e funcionários à região. Mas a fonte da Funai comentou que muitas dessas empresas têm como donos os próprios garimpeiros que passaram a diversificar seus negócios.
Um desses proprietários é o bolsonarista Rodrigo Cataratas, também dono de empreendimento voltado ao garimpo autorizado para operar no território yanomami pelo governo Bolsonaro. Ele é alvo de diversas operações da Polícia Federal e tem seu nome ligado a um grupo de garimpo ilegal no Pará.
A propósito, Bolsonaro abriu a porteira para o garimpo ilegal na região, incentivando o avanço de criminosos sobre territórios indígenas. Isso fez com que os garimpeiros abarcassem outras atividades, como o transporte aéreo, em uma área estratégica para impedir que profissionais de saúde, pesquisadores e agentes públicos chegassem à região e testemunhassem os crimes que ocorrem ali.
O presidente da Urihi Associação Yanomami classificou como “descaso e crime” o que ocorreu no território yanomami. “O dinheiro foi mal gasto e mal planejado. Quase tudo foi gasto com ‘aéreo’. Avião e helicóptero para levar profissionais dentro do território, mas apenas na hora da emergência, quando muitas vezes já é tarde demais. Como a ambulância do SAMU nas cidades. Não sobra nada para comprar medicamentos. O que a gente precisa é de prevenção, um plano de ação e compromisso com as vidas”, disse Júnior ao O Globo.
Hekurari Yanomami também denunciou à coluna que ao menos seis postos de saúde nas terras indígenas yanomami foram fechados nos últimos anos. “Os garimpeiros ficam intimidando, ameaçando profissionais para pegar remédios. Por causa desses problemas foram fechadas seis unidades básicas de saúde. Muitos yanomamis ficaram sem atendimento e morreram sozinhos sem nenhuma ajuda”, denunciou Júnior, que elogiou a visita do presidente Lula aos yanomami, dizendo que trouxe esperança de novo ao povo.
Redação ICL Economia
Com informações de O Globo