Às vésperas da eleição presidencial no Paraguai, hidrelétrica de Itaipu pode definir as bases das relações energéticas no Cone Sul

O Tratado de Itaipu terá que ser revisto este ano. Pelo tratado, tudo que é gerado pela hidrelétrica de Itaipu é dividido meio a meio, mas o Paraguai não consome toda a sua parte. A dúvida é o que será feito com o excedente, vendido ao Brasil sem gerar lucros
27 de abril de 2023

Diante de uma eleição presidencial no Paraguai no domingo (30), ainda muito incerta devido ao empate técnico na última pesquisa, a escolha de um ou de outro candidato pode mudar o destino das negociações em relação ao Tratado de Itaipu. Elas estão previstas para começarem em agosto, mês da posse do novo mandatário, e envolvem a tarifa de energia produzida pela hidrelétrica de Itaipu, na fronteira com o Brasil. O economista Enio Verri é o atual diretor-geral brasileiro da usina hidrelétrica Itaipu Binacional, com mandato até maio de 2027.

Enquanto o candidato à presidência, Santiago Peña, do partido conservador Colorado (no poder há praticamente 70 anos) dá poucos detalhes de suas intenções com a hidrelétrica de Itaipu, o postulante pela coalizão de oposição, o liberal. Efraín Alegre já divulgou, anteriormente, que “o modelo atual não convém ao Paraguai”.

O Tratado de Itaipu, firmado entre Brasil e Paraguai fez 50 anos na quarta (26). Uma parte dele, o chamado anexo C, terá que ser revisto neste ano. Segundo o tratado, tudo que é gerado pela hidrelétrica de Itaipu é dividido meio a meio, mas o Paraguai não consome toda a sua parte. A dúvida é o que será feito com esse excedente, vendido ao Brasil sem gerar lucros de acordo com o documento atual. Serão discutidos, principalmente, os componentes que definem o seu preço, repassado aos brasileiros das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste.

Os candidatos, porém, veem vantagem em negociar com Lula (PT) e têm sido cautelosos ao tratar do tema, que desperta paixões e nacionalismo exacerbado na população paraguaia. Há uma forte narrativa contra o que eles chamam de subimperialismo brasileiro.

O assunto sobre a hidrelétrica de Itaipu  quase derrubou o presidente colorado Mario Abdo Benítez em 2019, após um acordo secreto firmado com o ex-presidente Jair Bolsonaro, de quem era próximo. O vazamento do conteúdo, que traria prejuízos a Assunção, foi o estopim para uma onda de protestos que o pressionaram a cancelá-lo.

Hidrelétrica de Itaipu fornece cerca de 86% da eletricidade utilizada pelo Paraguai. No Brasil, o uso é de 8%

Lula, Enio Verri, Itaipu, América do Sul

Crédito: Ricardo Stuckert

A hidrelétrica de Itaipu fornece cerca de 86% da eletricidade utilizada pelo Paraguai, enquanto no Brasil essa porcentagem é de 8%. Ela foi a responsável pelo vertiginoso crescimento do país entre 1974 e 1982, quando cerca de 30 mil operários trabalharam nas obras, e chegou a reverter a emigração na época.

“Temos diferenças nas políticas de desenvolvimento”, disse o diretor brasileiro da hidrelétrica de Itaipu Itaipu, o deputado federal Enio Verri (PT), em cerimônia nesta quarta em Foz do Iguaçu (PR). “Para o Brasil, o mercado quer que eu tenha a energia elétrica mais barata possível. Para o Paraguai, o importante é ter um excedente para investir no desenvolvimento.”

Na reportagem publicada pela Folha de S Paulo, o especialista no tema pela Universidade Federal da Grande Dourados (MS), Tomas Espósito, explica que entre os interesses paraguaios estão também mudar a terminologia de “cessão” da energia excedente para “venda” e comercializá-la diretamente ao mercado brasileiro, sem passar pela Eletrobras, ou a outros países.

Um quarto interesse seria conseguir mais financiamentos para obras e projetos. “A hidrelétrica de Itaipu é a principal fonte de receita e de dólares paraguaia. Você vai até Assunção e hospital, creche, é tudo construído com dinheiro da usina”, disse Espósito para a reportagem da Folha de S Paulo.

Esses recursos, dos chamados “programas de responsabilidade socioambiental” da hidrelétrica de Itaipu Itaipu, são a mina dos olhos de políticos dos dois lados da fronteira e vêm sendo ampliados na última década. Dobraram de US$ 220 milhões para cada lado, no ano passado, para US$ 400 milhões neste ano —o que, na prática, impede uma queda maior na tarifa de energia aos consumidores após o fim da dívida.

Isso também pode estar em jogo com as eleições paraguaias. “Somos muito críticos a essa política. Acreditamos que Itaipu é uma empresa para gerar energia, e não deve ser outra coisa”, afirmou o candidato Efraín Alegre em entrevista à Folha, defendendo a transferência dos recursos ao Estado para evitar corrupção.

Ele é o único que tem propostas mais demarcadas sobre a política energética. É o item 1 de seu programa de governo, que cita “seis exigências” na negociação: preço de mercado, cogestão e paridade de benefícios, transparência, conclusão das obras, discussão sobre o impacto causado pela “dívida espúria” e aos povos indígenas.

Sua ideia é atrair investimentos e usar essa energia para gerar empregos e desenvolver o país, para que em alguns anos não sobrem excedentes a serem negociados.

Santiago Peña, por sua vez, tem se mantido mais longe do tema. Não citou as negociações, por exemplo, ao discursar aos funcionários da Itaipu Binacional no início do mês, dizendo apenas que “os que chegam aos cargos públicos chegam graças ao partido Colorado”.

Foi a legenda que assinou o tratado com o Brasil 50 anos atrás, durante a ditadura de Alfredo Stroessner (1954-1989), e também que tratou do acordo com Bolsonaro. O jornal pediu entrevista ao candidato e enviou perguntas, mas sua equipe disse que a agenda estava muito apertado nos últimos dias de campanha.

“Não dá para falar que o colorado é mais favorável ao Brasil, eles também conseguiram benefícios ao Paraguai em outras negociações, mas a oposição é mais enfática nessa questão”, diz Victorio Oxilia, professor da Universidade Nacional de Assunção.

O terceiro colocado, Paraguayo Cubas, vai no mesmo sentido de Alegre. Seu postulante a vice, o engenheiro eletricista Stilber Valdés, respondeu à Folha que “o Paraguai deve ter soberania absoluta sobre os seus 50%”. Ele defende ainda que o país reivindique a venda direta do seu excedente a outros compradores.

Apesar das diferenças, os três veem com bons olhos a presença de Lula do lado de cá da fronteira. O petista assinou um acordo em 2009 com o único governo de oposição do país nos últimos 70 anos, do ex-bispo de esquerda Fernando Lugo (2008-2012). Ele triplicou o preço da energia para o Brasil e foi celebrado pelos paraguaios.

Redação ICL Economia
Com informações da Folha de S Paulo

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