Casas de 15m² do Residencial Mandela, em Campinas, mostram o lado perverso da política habitacional voltada para o pobre que luta por moradia

Projeto vem causando indignação e já gerou bate-boca público entre o presidente Lula e o prefeito de Campinas, Dário Saadi, correligionário do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas
26 de junho de 2023

Vem causando polêmica nos últimos dias o projeto de moradias da Prefeitura de Campinas, denominado Residencial Mandela, que está finalizando a construção de casas populares de 15 metros quadrados, uma aberração arquitetônica com design perverso. A iniciativa já gerou bate-boca público entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o prefeito de Campinas, Dário Saadi, do Republicanos, o mesmo partido do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas.

De acordo com informações do site da Prefeitura de Campinas, o loteamento no DIC 5, distrito do Ouro Verde, vai abrigar mais de 450 pessoas que, atualmente, vivem em uma ocupação e áreas de risco. O terreno das moradias minúsculas possui 23 mil metros quadrados e, segundo o site, conta com infraestrutura completa (pavimentação, redes de água, de esgoto, de energia elétrica e iluminação).

Ainda conforme o site, serão construídos 116 “embriões”, imóveis que serão residências de famílias que, atualmente, vivem na Ocupação Mandela, um terreno particular que fica nas proximidades. Os investimentos somam quase R$ 6 milhões, sendo a Cohab (Companhia de Habitação Popular de Campinas) responsável por R$ 2,6 milhões, por meio do Fundap (Fundo de Apoio à População de Sub-Habitação Urbana), com o objetivo de disponibilizar os lotes e executar a construção dos embriões com 15 metros quadrados cada.

O imóvel tem um cômodo e um banheiro e, ainda segundo o site, a Cohab estuda a possibilidade de oferecer plantas (desenho técnico de construção), para que os proprietários possam, futuramente, aumentar o imóvel, pois o terreno da construção tem 90 metros quadrados.

Lula disse que, se a moda do Residencial Mandela pega, pobres vão acabar vivendo em “poleiros”

Cada família, que atualmente vive em barracos de lona, pagará a partir de R$ 132 mensais pelo imóvel. Alguns devem morar com sete ou oito familiares no espaço, o que tem gerado preocupação entre eles, segundo reportagem da Folha de S.Paulo, devido ao tamanho exíguo. Na média, 450 pessoas para 116 embriões, dá uma média de quatro moradores por imóvel.

Em 17 de junho, durante agenda em Belém, no Pará, o presidente Lula criticou o tamanho das casas e disse que Saadi “não é humano”. No dia seguinte, o prefeito publicou um vídeo nas redes sociais em que acusa o presidente de mentir e fazer “politicagem”.

“O prefeito daquela cidade está construindo casas de 15 metros quadrados para que as pessoas pobres fiquem lá. Ou seja, significa que esse prefeito não entende de pobre. Significa que esse prefeito não é um cara humano. Significa que esse prefeito acha que pobre tem de ser tratado como se fosse uma coisa qualquer, e não como um ser humano que merece respeito”, afirmou.

Lula aproveitou a ocasião para confrontar o projeto perverso do prefeito de Campinas com o Minha Casa, Minha Vida, dizendo que os imóveis do programa habitacional social terão 40 metros quadrados, sacadas para as pessoas tomarem ar livre e bibliotecas.

No dia 19 de junho, durante o programa Conversa com o Presidente, Lula voltou a criticar a iniciativa de Campinas, dizendo que “se essa moda [casa de 15 metros quadrados] pega, daqui a pouco estaremos construindo poleiros para que o pobre possa morar. É o absurdo do absurdo”.

A polêmica do residencial chegou até a Assembleia Legislativa de São Paulo, onde o deputado estadual Rafa Zimbaldi (Cidadania-SP) requereu, na semana passada, que Tarcísio de Freitas amplie as casas. “Conheço bem a história das famílias do (Nelson) Mandela, desde a primeira reintegração de posse. Mudar para uma casa de alvenaria é importante, mas é preciso que as novas condições de moradia sejam dignas”, disse o deputado.

Em artigo, geógrafo critica posicionamento da grande mídia sobre o tema moradia

Em artigo publicado na revista Carta Capital, no último dia 22, André Pasti, professor da Universidade Federal do ABC (UFABC) e doutor em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo (USP), fez uma análise sobre o posicionamento da grande mídia sobre o tema moradia popular.

Ele classificou como hipócrita a “repentina preocupação da mídia hegemônica com a condição das famílias”, uma vez que a mesma mídia não dá voz “para as lutas e duras conquistas pelo direito à moradia da Ocupação Nelson Mandela e do movimento de moradia em geral”.

Pasti lembrou ainda que, em 2017, a Ocupação Nelson Mandela, surgida um ano antes, foi removida em um processo violento, “em um terreno que seis anos depois segue ilegal e sem cumprir função social alguma, sem que isso desperte grande debate na imprensa”. E continuou: “Cem famílias resistiram, ocuparam outro terreno abandonado e as lutas contra o despejo da nova ocupação vêm tendo uma cobertura midiática marcada por silenciamento e criminalização, assim como acontece com diversas outras lutas de movimentos sociais por direitos básicos”.

Após anos de luta das famílias da Ocupação Nelson Mandela, segundo o professor da UFABC, chegou-se ao projeto das casas de 15 metros quadrados, em um acordo aceito pelos moradores para evitar o despejo do terreno. O acordo, reconhecido pela Justiça, paralisou um processo de reintegração de posse de dezembro de 2022.

Entre as tantas perguntas feitas pelo professor no artigo está: “Por que o poder público não constrói, já, as casas de 60m² para essas famílias? Por que há tantos anos o poder público municipal não possui uma política de habitação e nem sequer sabe o tamanho de seu déficit habitacional? Por que o juiz do caso fixou a data do despejo obrigando as famílias a escolher entre aceitar esse acordo ou ficar sem teto?”.

Ainda segundo Pasi, a sociedade brasileira não está produzindo soluções que garantam a moradia digna como um direito de todas as pessoas, e a questão da habitação não tem sido discutida amplamente nos veículos de comunicação.

Redação ICL Economia
Com informações da Carta Capital, Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo

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