As dificuldades econômicas somadas aos cortes financeiros do governo federal às políticas de permanência são os dois principais motivos que levam cotistas a abandonarem as universidades. Esta é a constatação de uma análise do Grupo de Estudos Multidisciplinar da Ação Afirmativa (Gemaa), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), sobre a “V Pesquisa Nacional de Perfil Socioeconômico e Cultural dos Estudantes de Graduação das Instituições Federais de Ensino Superior Brasileiras”, que ouviu 424 mil alunos de 63 universidades federais.
Os pesquisadores afirmam que as políticas de permanência são abaladas pelos cortes de recursos do ajuste fiscal, como a Emenda Constitucional 95/2016, a PEC do Teto de Gastos, que bloqueia verbas para as universidades.
Um exemplo é a UFRJ. O edital para a distribuição de bolsas aos cotistas no primeiro semestre letivo de 2022 recebeu mais de 3.600 inscrições para as diferentes modalidades de auxílio, mas atendeu apenas 1.700 solicitações. Os beneficiários são selecionados conforme renda familiar, local de moradia e condição de saúde do estudante e da família.
Roberto Vieira, pró-reitor de Políticas Estudantis da UFRJ, à reportagem do UOL, diz que a instituição elevou em 50% a oferta de bolsas para cotistas no último ano. Ainda assim, 45% dos pedidos não são atendidos, o que equivale a cerca de 8.000 alunos. A causa do problema, diz, é o Ministério da Educação não destinar verba ao Programa Nacional de Assistência Estudantil, que desenvolve ações de incentivo à permanência para cotistas. Ele conta ainda que os gestores são pegos de surpresa, porque as restrições de verba ocorrem sem aviso.
Falta de apoio financeiro compromete permanência de cotistas nas universidades
Outro estudo, conduzido pelo Laboratório de Estudos e Pesquisas em Educação Superior da UFRJ e pela Ação Educativa, também detectou que a permanência na sala de aula é comprometida pela falta de apoio financeiro suficiente.
Segundo a pesquisa, apesar de franquear acesso ao ensino superior a populações historicamente afastadas dos bancos universitários, a reserva de vagas instituída pela Lei de Cotas (nº 12.711) não garante que os cotistas concluam os cursos. Para os pesquisadores, auxílios estudantis são cruciais para assegurar a permanência desses grupos.
A pesquisa completa deve ser lançada até o final do ano, mas os primeiros dados já mostram que a proporção de diplomados entre os brancos aumentou em índice superior ao de pardos, enquanto o índice de formandos entre pretos e indígenas mal se mexeu.
Utilizando base de dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a partir de 2019, os pesquisadores analisaram também a taxa de escolarização superior entre brancos: subiu de 24% para 27%; pardos: subiu de 10% para 12%; pretos: ficou em 10%; indígenas: caiu de 11% para 10%.
Em paralelo, o estudo mostra uma mudança no perfil dos ingressantes após as ações afirmativas. Em 2010, 10% dos estudantes chegavam às universidades federais via reserva de vagas. Já em 2019, os cotistas representavam 39% dos entrantes. “O volume dos benefícios aos estudantes cotistas é muito menor do que a demanda crescente, intensificada pelos efeitos brutais das crises econômica e pandêmica na vida dos estudantes e de suas famílias, gerando insatisfação e cobranças por parte dos estudantes”, avalia o estudo.
Governo Bolsonaro vai cortar recursos das universidades que englobam pagamento de bolsas a cotistas
As universidades públicas federais, que já enfrentam muitos problemas estruturais devido à falta de recursos, já se armam contra mais perdas de verba. Recentemente, reitores foram informados de uma previsão de 12% de corte no orçamento do MEC para as universidades em 2023. Serão cerca de R$ 600 milhões a menos do que o valor deste ano. A redução afeta diferentes tipos de despesas, inclusive o pagamento de bolsas.
Outra previsão de corte foi comunicada aos institutos federais de ciência e tecnologia, que também oferecem auxílios para permanência. Para eles, o orçamento para o ano que vem pode ser até R$ 300 milhões menor do que em 2022.
Brasil também é desigual nos primeiros anos do ensino e desperdiça talento das crianças
Recente estudo do Banco Mundial alerta para a desigualdades dentro do país, ressaltando que ela é explicada pela educação, o que inclui tanto os anos que a criança fica na escola como a qualidade da educação – ou seja, se ela consegue aprender aquilo que deveria ter aprendido na escola. Em 2019, o indicadores de desigualdade do Norte e do Nordeste eram de 56,2% e 57,3%, respectivamente, enquanto os do Sul, Centro-Oeste e Sudeste variavam de 61,6% a 62,2%.
Os dados revelam também a desigualdade racial no desenvolvimento do potencial dos brasileiros. Segundo o estudo, a produtividade esperada de uma criança branca, em 2019, era de 63% do seu potencial, comparado a 56% para uma criança negra e 52% para uma indígena.
Na média, o Banco Mundial calculou que 40% do talento das crianças brasileiras é desperdiçado. Conforme o Índice de Capital Humano do Brasil (ICH), que consta no Relatório de Capital Humano Brasileiro, uma criança nascida no Brasil em 2019 deve alcançar, em média, apenas 60% do seu capital humano potencial quando completar 18 anos. O número deve cair ainda para perto de 50% com os efeitos da pandemia de Covid-19, com o Brasil voltando ao patamar que tinha em 2009.
Redação ICL Economia
Com informações do UOL e agências