Em primeiro debate de presidenciáveis, Bolsonaro volta a dizer que “economia está bombando” e protagoniza vexame em ataque misógino

Bolsonaro chegou a dizer, durante o debate, que o seu "governo está dando certo" e que "a economia está bombando"
29 de agosto de 2022

O tema economia foi uma das principais pautas do debate entre os presidenciáveis nas eleições 2022, transmitido pela TV Bandeirantes. Como já era esperado, o principal alvo do ataque de adversários no debate foi o presidente Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição, que foi protagonista do maior vexame em rede nacional durante a peleja com seus adversários, ao atacar uma jornalista e a senadora Simone Tebet (MDB), demonstrando toda a sua misoginia. Outro alvo dos ataques dos adversários, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) optou por ficar mais na defensiva.

Com duração de pouco mais de duas horas e meia, o primeiro debate entre os presidenciáveis foi transmitido pela TV Bandeirantes em parceria com o jornal Folha de S.Paulo, UOL e TV Cultura, com as participações de Bolsonaro, Lula, Tebet, Ciro Gomes (PDT), Felipe D’Ávila (Novo) e Soraya Thronicke (União Brasil).

Como de costume, Ciro Gomes discorreu sobre números e enfatizou o programa de Renda Mínima do vereador por São Paulo Eduardo Suplicy, que, embora do PT, foi abraçado pelo pedetista na campanha. Em seu programa de governo, Ciro promete dar renda mínima de R$ 1 mil mensais aos cidadãos e cidadãs brasileiros mais vulneráveis por meio de um imposto sobre fortunas.

Outro tema nessa seara tocado por Ciro no debate foi quando ele questionou Bolsonaro que, em uma entrevista a um programa da Jovem Pan, disse que “não existe (fome no Brasil) da forma como é falado”. Em resposta, o presidente tergiversou no debate e não confirmou o que foi dito, enquanto Ciro, na réplica, citou os números da Rede Pensann (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional), que aponta haver, no Brasil de hoje, 33 milhões de famintos. Bolsonaro chegou a dizer, durante o debate, que o seu “governo está dando certo” e que “a economia está bombando”.

O primeiro a ser alvo de uma pergunta no debate feita pelo presidente Bolsonaro,  Lula agarrou-se nos bons números de seu governo, citando mais de uma vez que pegou o Brasil com inflação na casa dos 12%, alto desemprego e taxa de juros a 26% ao ano, e que, ao ao longo dos anos em que esteve na Presidência, colocou o país nos trilhos.

Também seguiu nessa linha quando a candidata Soraya Thronicke disse  no debate desconhecer esse país sobre o qual Lula falava. O candidato do PT então afirmou: “O seu motorista viu. O seu jardineiro viu. A sua empregada doméstica viu”. “Pode perguntar para a sua empregada, que ela viu que esse país melhorou, que ela podia tomar café da manhã, almoçar e jantar todo santo dia. Ela viu que o filho dela poderia entrar numa universidade”.

Além disso, questionado sobre o que fará para reduzir o impacto do atraso na educação causado pela pandemia de Covid-19, Lula disse que vai reunir governadores e prefeitos das capitais para buscar um pacto por “uma verdadeira guerra” contra o atraso educacional decorrente da crise sanitária. “Quintupliquei o orçamento em educação. Lamentavelmente, a educação foi abandonada nesse país”, comentou, aproveitando para criticar Bolsonaro pelos sucessivos cortes de recursos e desmonte de políticas públicas do setor.

O candidato petista ainda criticou a falta de dados pelo Ministério da Educação que indiquem a situação do retrocesso educacional nesse período. Também ressaltou que os alunos mais pobres foram os mais afetados, pois não contaram com políticas públicas que garantissem acesso aos recursos de educação a distância.

Por sua vez, Ciro Gomes apresentou números do seu estado, o Ceará, dizendo que pretende reformar o modelo de financiamento da educação pública como principal ação para reduzir o déficit educacional do país.

Simone Tebet, que foi atacada por Bolsonaro por sua atuação na CPI da Covid no Senado, foi uma das mais críticas ao presidente ao longo do debate. “O presidente que não respeita a Constituição”, para dizer que o atual governo levou o Brasil a um cenário generalizado e retrocessos. Acuado, Bolsonaro disse que não falta dinheiro no seu governo porque não há roubalheira.

De seu lado no debate, D’Ávila, a exemplo do que apregoa seu partido, fez um discurso pró Estado mínimo, citando, a título de exemplo, as empresas de saneamento básico estatais, em um modelo que já se mostrou inoperante e ineficiente para solucionar esse problema no país, na visão dele.

Soraya, por sua vez, defendeu, ao longo do debate, o programa de imposto único de seu vice Marcos Cintra, solução que, inclusive, foi ironizada por Lula por ser uma ideia defendida há muitos anos por Cintra e que, de tão ultrapassada, nunca o levou a eleger-se.

Debate de presidenciáveis explora mal falhas do governo Bolsonaro

A corrupção no governo Bolsonaro foi mal explorada por seus oponentes. O esquema de rachadinhas, em que assessores do senador Flávio Bolsonaro devolviam parte de seus salários, sequer foi mencionada, mesmo quando Lula foi atacado pelo presidente na primeira pergunta sobre a corrupção na Petrobras.

Além disso, a condução do Auxílio Brasil na gestão bolsonarista foi pouco explorada. Lula limitou-se a dizer que o benefício de R$ 600 não está previsto na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2023.

Ciro Gomes ficou na crítica do modelo econômico que transfere bilhões de juros para o setor financeiro, usando frase repetida em todas as suas campanhas. O candidato fala do pagamento de juros dos títulos públicos do governo federal. Essa é uma dívida que o Estado faz para se financiar, cujos juros refletem a maior ou a menor confiança no governo da vez. Funciona assim em todos os mercados financeiros maduros.

Na mesma linha, Felipe D’Avila (Novo) afirmou, mais de uma vez, que o Brasil não cresce há 20 anos. Cresce. Cresceu 7,5% em 2010. Mas cresce devagar e patina desde a recessão, sem sinais de reviravolta no cenário, e um dos motivos para o crescimento apático é a baixa produtividade do trabalho, uma questão obscura para a maioria dos brasileiros e que tem relação com a qualidade da educação no Brasil.

Falando em ensino, exceto pela fala de Lula, de que vai se reunir com governadores para elaborar um plano para tirar o atraso do ensino na pandemia, e os números citados por ele de seu governo, com a criação de universidades e institutos federais, nenhum dos candidatos avançou muito em tema tão importante e crucial para o avanço desse país.

Meio Ambiente foi outro tema que também passou ao largo, com menções apenas pontuais. Lula perguntou a Felipe D’ávila sobre a questão climática. De acordo com o ex-presidente, “ou os governantes tomam noção que é preciso cuidar dos seus países, para que assim cuidem do planeta, ou a gente vai destruir a Terra”. Afirmou que o governo Bolsonaro não tem “nenhum cuidado” com a questão ambiental, incentivando desmatamento e queimadas.

Por sua vez, o candidato do Novo respondeu que a retomada do crescimento econômico depende de uma política ambiental que faça do Brasil a primeira nação “carbono zero” entre as grandes potências. O petista, então, ressaltou que “nenhum empresário sério que conhece o mercado mundial vai fazer queimada ou destruir os biomas brasileiros”. Mas voltou a frisar que o governo Bolsonaro “incentiva” tais práticas. “Tivemos um ministro que dizia ‘deixa a boiada passar’”.

No tema da fome, Simone Tebet disse que vai acabar com ela porque os preços vão baixar no seu governo. É uma declaração dúbia, que abre margem para dúvidas na cabeça do eleitor. A candidata fala em controle de preços? O Brasil vive uma economia de mercado e não há mecanismos saudáveis de intervenção nos preços. Qualquer tentativa nesse sentido leva ao efeito contrário, desabastecimento e alta de preços.

Em momento mais tenso do debate, Bolsonaro ofende jornalista e Tebet

Fazendo uma analogia com o futebol, o presidente Bolsonaro fez um gol contra ele mesmo quando ofendeu a jornalista Vera Magalhães, da TV Cultura, e a senadora Simone Tebet. Vera perguntou a Ciro Gomes, com comentário de Bolsonaro, sobre a campanha de desinformação contra a vacina, promovida pelo atual presidente. Em vez de comentar, Bolsonaro preferiu dizer que Vera “é uma vergonha ao jornalismo brasileiro”. O mandatário seguiu com tom grosseiro, afirmando que “a senhora é uma vergonha. Não estou atacando mulher não, não vem com vitimismo”, sem qualquer menção à defesa das vacinas.

O presidente aproveitou a deixa para atacar também Simone Tebet, por sua atuação na CPI da Covid do Senado, que descobriu irregularidades do governo na gestão da pandemia. A partir desse momento, Bolsonaro passou a ser atacado pelos oponentes, principalmente pelas candidatas mulheres, que se solidarizavam à jornalista.

O debate também foi marcado por números exagerados ou errados dados pelos candidatos. A equipe de checagem do jornal O Globo, verificou, por exemplo, que é falsa a declaração de Bolsonaro de que “o respeito não falta da minha parte”, em relação ao STF (Supremo Tribunal Federal).

É conhecido que, mais de uma vez, o presidente foi desrespeitoso com ministros do STF em diversas ocasiões, principalmente os ministros Alexandre de Moraes e Luís Carlos Barroso . Em julho de 2021, Bolsonaro chamou o Barroso de idiota e imbecil: “Só um idiota para fazer isso aí. É um imbecil. Não pode um homem querer decidir o futuro do Brasil na fraude.”

No mês seguinte, em agosto, ele também foi chamado de “filho da puta” por Bolsonaro, em Joinville (SC). “Aquele filho da puta (…) está atrás de mim. Aquele filho da puta do Barroso.” Em setembro de 2021, durante as manifestações do dia 7, o presidente chamou Moraes de “canalha”: “Sai, Alexandre de Moraes, deixe de ser canalha, deixe de oprimir o povo brasileiro.”

Sobre a inflação, Bolsonaro disse que o Brasil está com um dos índices inflacionários mais baixos do mundo, menor até do que nos Estados Unidos. Segundo a checagem de O Globo, trata-se de uma meia verdade.

“De fato, o Brasil registra uma inflação em 2022 menor que a dos Estados Unidos até o momento. Todavia, a inflação média acumulada do Brasil durante o governo Bolsonaro é bem maior que a dos EUA, Reino Unido e Alemanha, em torno de 14,5%. Já no Brasil, a cesta média de consumo das famílias saltou muito mais do que isso: 25,7%”, diz.

Além disso, a inflação brasileira segue mais alta que a dos países ricos a despeito do Brasil ter uma taxa básica de juros hoje em 13,75% ao ano, enquanto a Alemanha (zona do euro) tem zero, e a Inglaterra tem de 1,75% e os EUA têm de 2,25% a 2,5%.

Outra inverdade dita pelo presidente é de que o PT foi contra os R$ 400 do Auxílio Brasil. A declaração, segundo a equipe de checagem, é falsa porque o PT votou a favor da MP (medida provisória) 1.061, que fixou em R$ 400 o valor do Auxilio Brasil.

“O texto-base da medida provisória 1.061 de 2021 trata do Auxílio Brasil, programa social do governo federal, que substituiu o Bolsa Família. O programa já estava em vigor, mas a medida provisória precisa da aprovação do Congresso para virar lei e vigorar de forma definitiva. Em votação simbólica, o Senado aprovou a mesma MP em dezembro. O projeto de conversão da MP foi sancionado no final do mesmo mês”, diz a reportagem.

Redação ICL Economia
Com informações das agências de notícias

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