Às vésperas do segundo turno das eleições presidenciais, no próximo domingo (30), crescem no Ministério Público do Trabalho as denúncias de assédio eleitoral contra trabalhadores da iniciativa privada e servidores públicos. Dados do órgão mostram que esses casos de constrangimento, para forçar o trabalhador a votar no candidato do patrão, subiu 2.577% entre o primeiro e o segundo turnos da eleição.
O MPT recebeu até agora 1.633 denúncias de assédio de 1.284 empresas diferentes. Ao menos 1.572 delas ocorreram após o dia 2 de outubro. O número é quase oito vezes maior do que os casos que chegaram ao MPT ao longo de todo o período eleitoral de 2018, quando foram registrados 212 relatos.
A situação se tornou tão grave que, no site do MPT, há a informação de que várias unidades do órgão darão plantão no fim de semana para acolher denúncias de assédio, a fim de garantir que o eleitor possa exercer o seu direito de votar no candidato que quiser.
No site, também é possível verificar notícias de denúncias de assédio e acordos de retratação estabelecido com empregadores. O último caso, publicado ontem (26), é da empresa Concreserv, que foi processada pelo Ministério Público do Trabalho em São Paulo (MPT-SP) por ameaçar demitir 30% dos funcionários em caso de vitória de candidato à Presidência da República. Na ação civil pública ajuizada ontem, o empregador também distribuiu santinhos para indicar em quem os trabalhadores deveriam votar. A instituição pede indenização de R$ 3 milhões por danos morais coletivos em favor dos trabalhadores.
Na ação, o MPT-SP destaca que a Concreserv se recusou a assinar termo de ajuste de conduta (TAC) no último dia 21, por alegar dificuldade em controlar manifestações de gerentes, líderes ou outros trabalhadores sobre a questão eleitoral e admitiu a possibilidade de utilização de caminhão da empresa para fins de manifestações eleitorais.
O órgão não discrimina o candidato a quem os empregadores defendem, mas vídeos e notícias divulgadas pelos principais veículos do país mostram que grande parte das denúncias se refere ao presidente Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição. Ao coagir seus funcionários a votarem em Bolsonaro, os empregadores usam como argumento o possível fechamento de seus negócios caso o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vença as eleições.
Reportagem publicada na edição desta quinta-feira (27) do jornal O Estado de S.Paulo ouviu especialistas sobre as denuncias de assédio. À publicação, eles apontam que as pressões extrapolam o mundo do trabalho e são mais graves que a simples manifestação de apoio, se tornando, inclusive, um motivo de sofrimento emocional para muitos eleitores.
Uma das entrevistadas, a promotora Ana Laura Lunardelli, assessora eleitoral do procurador-geral de Justiça de São Paulo, disse que são muitas as denúncias de coação eleitoral, que não se restringem ao ambiente laboral.
Segundo ela, enquanto o MPT se concentra em apurar se as relações empregatícias foram afetadas, a Promotoria Eleitoral investiga se houve prática criminosa relacionada às eleições. São situações independentes, com consequências distintas, de acordo com a promotora.
Pena por assédio eleitoral pode ser de prisão de até quatro anos. TSE tem se organizado para coibir prática
O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) tem se organizado para tentar combater essa prática criminosa. O presidente do órgão, Alexandre de Moraes, se reuniu com representantes do MPT e do Ministério Público Eleitoral para definir estratégias conjuntas contra a coação. Na ocasião, ele disse que “lamentavelmente, no século 21, retornamos a uma prática criminosa que é o assédio eleitoral, praticado por empregadores coagindo, ameaçando, prometendo benefícios para que os seus funcionários votem ou deixem de votar em determinadas pessoas”.
Como já dito, a maioria dos casos envolve patrões bolsonaristas, que adotam estratégias perversas para tentar mudar os votos de funcionários de maneira ilegal. Um dos casos mais famosos envolve o ruralista Adelar Eloi Lutz. Ontem (26), ele assinou um termo de ajustamento de conduta com o MPT no qual se compromete a pagar indenização de R$ 150 mil por danos morais coletivos, por ter exigido que funcionárias colocassem celular no sutiã para provar que iriam votar em Jair Bolsonaro. Um dia após a abertura do inquérito, ele escreveu em redes sociais que se tratava de uma “brincadeira” e que não houve ameaça de demissão. O empresário não foi localizado pela reportagem do Estadão.
Entre os estados brasileiros, Minas Gerais lidera a lista de assédio eleitoral, com 449 denúncias. De acordo com a reportagem do Estadão, circulou entre os moradores de Caratinga um áudio enviado pelo prefeito Wellington Moreira de Oliveira (PSD), em que ele “convida” servidores a participarem de um ato pró-Bolsonaro. “Aqueles que disserem que não vão estar ou disserem que vão estar e não comparecerem, é um direito deles. Mas a gente vai ter uma conversa com eles depois”, disse Oliveira.
A promotora Ana Laura Lunardelli citou o artigo 301 do Código Eleitoral, que estabelece pena de reclusão de até quatro anos para quem “usar de violência ou grave ameaça para coagir alguém a votar ou não votar em determinado candidato ou partido, ainda que os fins visados não sejam conseguidos”, o que não se restringe às relações trabalhistas.
No caso do setor público, gestores investigados sobre assédio também podem sofrer afastamento provisório de suas atividades enquanto corre o processo legal.
Sobre o cenário atual, a promotora afirmou que não há paralelo na história recente. “Estamos retrocedendo e vendo o coronelismo.”
Redação ICL Economia
Com informações de O Estado de S.Paulo