Viralizou nesta semana um vídeo do empresário australiano Tim Gurner, CEO do Gurner Group, no qual ele defende demissões em massa como uma espécie de corretivo à classe trabalhadora que, na avaliação dele, teria se tornado “arrogante” depois da pandemia de Covid-19. Para os economistas do ICL Deborah Magagna e André Campelli, as falas do empresário do ramo imobiliário escancaram a lógica do capitalismo selvagem, para a qual a classe trabalhadora tem que ser “dominada” e servir aos donos do capital.
Ao comentar o assunto na edição do ICL Mercado e Investimentos, Campedelli evocou um texto de 1954, do economista marxista polonês Michal Kalecki, intitulado Aspectos Políticos do Pleno Emprego, no qual o autor comenta que, na hora de realizar investimentos, os donos do capital se entendem como classe, “mas uma hora eles entendem que vão precisar amansar a classe trabalhadora”.
“Quando se vê que a classe trabalhadora consegue ter algumas melhoras [de vida], consegue viajar, ter acesso a bens e melhores serviços, o que eles [capitalistas] fazem? Dizem que vão criar uma crise artificialmente, porque vão precisar fazer com que a classe trabalhadora volte ao lugar dela. Então, essa é a lógica capitalista: a classe trabalhadora tem que nos [capitalistas] servir, tem que ser dominada, ela não pode ficar com as manguinhas de fora”, avaliou o economista e co-apresentador do ICL Mercado e Investimentos.
Ou seja, na avaliação de Campedelli, a narrativa usada por Gurner só revela o que já acontece nos bastidores dessas grandes empresas, em que eles “preferem tomar prejuízo”, desde que os trabalhadores não possam subir mais degraus na escala social. “A classe trabalhadora tem que ser domesticada”, pontuou.
Debora Magagna lembrou que, recentemente, vimos discurso parecido reverberar pelo país, quando as camadas menos abastadas da população adquiriram pode de compra, podendo inclusive viajar para o exterior. Quem não se lembra do ex-ministro da Economia do governo Bolsonaro, o posto Ipiranga Paulo Guedes, dizendo, indignado, que as empregadas domésticas estavam indo à Disney porque o dólar estava baixo? “Uma festa danada”, disse, enquanto defendia a alta do dólar.
Para ela, o discurso do empresário australiano, por si só, já é “um horror” quando afirma que as pessoas estavam tendo “privilégios e benefícios” durante a pandemia, um momento em que muitos estavam morrendo e perdendo seus empregos.
“[Mas] ele fala uma coisa que a gente traz aqui quase sempre e é muito o pensamento do mercado, pois o mercado reproduz esse tipo de pensamento. Quando a gente fala em mercado, a gente pensa naquela entidade que na verdade são as instituições financeiras, mas há pessoas que reproduzem esse pensamento no mercado, que não deixam de ser trabalhadoras, porém, não se veem dessa forma e, por isso, não têm nenhum pensamento crítico. É essa revelação de classe social que falta vermos nos analistas trabalhadores [por exemplo], que reproduzem esse discurso como se fosse benéfico para eles, quando na verdade não é”, comparou.
E, para citar um exemplo da lógica perversa do mercado, ela comentou que, ontem (14), as ações da Ford e General Motors estavam subindo nas bolsas de Nova York depois que elas conseguiram conceder reajustes menores durante as negociações salariais com seus trabalhadores. “O mercado ficou contente com isso”, disse Deborah.
Contudo, nesta sexta-feira (15), o proletariado também mostrou a sua força. Milhares de funcionários de três das maiores montadoras de veículos dos Estados Unidos (além de Ford e GM, a Stellantis) entraram em greve, segundo informou o UAW, o sindicato nacional da categoria.
Desde a meia-noite, foram paralisadas as produções das três montadoras em unidades no Missouri, Michigan e Ohio.
O sindicato busca aumentos salariais de 40% para os seus cerca de 140 mil membros ao longo de quatro anos, alegando que houve um aumento comparável nos salários dos líderes empresariais. A pauta de reinvindicações também inclui semana de trabalho de quatro dias, retorno dos aumentos salariais automáticos vinculados à inflação e limites mais rígidos sobre o período de trabalhos temporários sem benefícios sindicais.
Entenda o caso do empresário australiano que defendeu demissões em massa
“Nós precisamos ver dor na economia”, disse Tim Gurner, durante cúpula imobiliária da Australian Financial Review, na última terça-feira (12). “Nós precisamos ver o desemprego subir. O desemprego tem que saltar de 40% para 50% na minha visão (…). Esse pensamento só muda quando a economia é prejudicada. Os governos no mundo todo estão aumentando o desemprego para isso levar ao cenário normal. Muitas empresas estão demitindo em massa e começando a recontratar para ver menos arrogância no mercado”, disparou.
E Tim Gurner continuou com o seu disparate: “Eu penso que o problema que nós temos é que as pessoas decidiram que elas não queriam na verdade trabalhar tanto por causa da Covid, e isso teve um problema gigante na produtividade.”
Os comerciantes, segundo ele, “receberam muito para não fazer muito nos últimos anos e precisamos ver essa mudança”. “Nós precisamos lembrar as pessoas que elas trabalham para um empregador, não ao contrário”, afirmou. “Houve uma mudança sistemática em que os funcionários pensam que o empregador é extremamente sortudo por tê-lo, e não ao contrário. Então, é uma dinâmica que precisa mudar”, disse o CEO.
Gurner falou ainda que as mudanças já começaram com as “demissões em massa” que levaram ao que descreveu como “menos arrogância no mercado de trabalho”.
Os comentários dele provocaram respostas de repúdio. O parlamentar australiano Jerome Laxale descreveu a fala no X (antigo Twitter) como sendo “comentários que você associaria a um supervilão de desenho animado, não ao CEO de uma empresa em 2023″.
A perda de emprego “significa pessoas nas ruas e dependentes de bancos de alimentos”, disse o legislador liberal australiano Keith Wolahan à mídia australiana. A deputada Alexandria Ocasio-Cortez, dos Estados Unidos, também tuitou em resposta ao vídeo dos comentários de Gurner: “Um lembrete de que os principais CEOs dispararam tanto seus próprios salários que a proporção entre o salário do CEO e do trabalhador é agora em alguns dos níveis mais altos já registrados”.
Redação ICL Economia
Com informações do jornal O Estado de S Paulo, do ICL Mercado e Investimentos e das agências de notícias