A “recuperação” da economia alardeada por governistas com um suposto aumento de empregos deve ser vista com cautela, à medida que trabalhadores sofrem com a precarização do trabalho, pois as novas colocações no mercado, em geral, são para desempenhar atividades com salários menores e menos proteção social.
Estudo divulgado este mês pelo Dieese mostra que essa recuperação, após o impacto inicial da pandemia, se deu principalmente pelo trabalho por conta própria. Mas o rendimento de quem entrou nos últimos dois anos (R$ 1.434, em média) correspondia a 69,1% do rendimento dos que já estavam ocupados (R$ 2.074). Em termos monetários, R$ 640 a menos, praticamente meio salário mínimo atual, o que demonstra a precarização do trabalho.
“A recuperação da ocupação via trabalho por conta própria, portanto, tem se apresentado como alternativa precária aos trabalhadores”, afirma o Dieese. “A remuneração é baixa, o que dificulta a contribuição à previdência, e as ocupações são de baixa qualificação”, acrescenta o instituto.
Um dos exemplos que mais explicitam a precarização do trabalho está no mercado de motoristas e entregadores de aplicativos. Mesmo com a Lei nº 14.297, sancionada em janeiro deste ano, que prevê medidas de proteção para a classe durante a pandemia, as empresas de plataformas de delivery continuam descumprindo pontos estabelecidos pela legislação, com o agravante que a lei não estabeleceu um vínculo empregatício entre a plataforma e o entregador.
Recente levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que são mais de 1,5 milhão trabalhadores nesse segmento, sendo a maioria (61,2%) de motoristas de aplicativo ou taxistas, enquanto 20,9% fazem entrega de mercadorias em motocicletas e 14,4% são mototaxistas.
Precarização do trabalho e os baixos salários
Sem amparo das leis trabalhistas, os motoristas e entregadores ainda sofrem com os baixos salários. A pesquisa do IPEA revelou que, dentre todos os profissionais avaliados, os motoristas de aplicativos e taxistas possuem o maior rendimento médio, de apenas R$ 1,9 mil, registrado no último trimestre da série. O valores estão bem abaixo dos R$ 2,7 mil recebidos, em média, no primeiro trimestre de 2016.
Já os entregadores de mercadorias via moto têm ganhos ainda menores, de aproximadamente R$ 1,5 mil por mês.
Sem poder de negociar melhores condições de trabalho
Reportagem da Agência Pública, esta semana, mostrou que a empresa iFood tem dezenas de intermediárias classificadas como Operadoras Logísticas (OL), com as quais firma contratos para gerenciar sua rede de entregadores. Porém, esses contratos que preveem escala e turno de entregadores e até mesmo direitos trabalhistas, não estão sendo cumpridos.
A reportagem questionou o iFood, que respondeu que 20% de mais de 200 mil entregadores cadastrados no aplicativo trabalham para operadores logísticos: o que equivale a 40 mil trabalhadores. Segundo a empresa, “o iFood não tem nenhuma ingerência ou gestão sobre a empresa que optou pela plataforma para prestar serviços de delivery. Estas empresas têm liberdade para conduzir seus negócios e são responsáveis por contratar os seus entregadores e por fazer toda a gestão sobre eles, em conformidade com as regras de Compliance e Código de Ética do iFood”. Leia a reportagem completa.
O tema desta matéria da Agência Pública, que aborda nitidamente a transgressão às leis trabalhistas, foi um dos assuntos debatidos pelos analistas do ICL Notícias, que foi ao ar nesta quinta-feira (19).
O sociólogo Jessé Souza ressaltou que os trabalhadores estão sem capacidade de reação à exploração que sofrem, muito por causa do desmonte da organização sindical promovidas pelos dois últimos governos. “O ponto fulcral do projeto de reforma trabalhista, montado por Michel Temer e aprofundado por Bolsonaro, é a luta de classes, onde a elite se empenhou para acabar com os sindicatos. Foi algo arquitetado. O sindicato é exatamente a forma que os trabalhadores têm de se defender, de ter acesso a informação, a debates, para poder compreender o que está acontecendo. O sindicato é um instrumento fundamental da classe trabalhadora. Acabar com o sindicato é acabar com a organização dos trabalhadores e enfraquecer a capacidade de reação para que se possa acabar com direitos, achatar salários”.
Jessé acrescentou ainda que, no caso dos entregadores, “eles não têm nem conhecimento dos seus direitos. A exploração do trabalho chega a níveis inimagináveis. Essa é a outra face do capitalismo financeiro: a destruição da organização dos trabalhadores e a redução da remuneração a níveis mínimos”.
Acrescentando ao debate, a jornalista Cristina Serra enfatizou a necessidade de se eleger um Congresso progressista nas próximas eleições para que seja revista a reforma trabalhista. “São forças totalmente desproporcionais em conflito: o mundo das empresas e o poder completamente esmagado dos trabalhadores”, disse.
Redação ICL Economia
Com informações da Rede Brasil Atual, da Agência Pública e das agências de notícias