Exército prepara portaria para abandonar de vez controle de armas importadas. Frouxidão nas regras coincide com lobby armamentista

Sentindo-se ameaçada, indústria nacional de armas já reage. Taurus, maior fabricante do país, ameaça parar produção
1 de setembro de 2022

Ao mesmo tempo em que o Exército avança sobre a fiscalização das urnas eletrônicas nas eleições de 2022, há um movimento institucional para que deixe de vez o controle de armas de fogo, munições e coletes importados, uma de suas tarefas. Está sendo elaborada uma portaria nesse sentido, na qual o Exército abre mão, em definitivo, dessa fiscalização, medida que coincide com o lobby armamentista crescente no país, que visa facilitar a entrada de armas no Brasil.

A facilitação da entrada de armas e dispositivos importados tem gerado reação da indústria local, como por parte da maior fabricante, a Taurus, que ameaça, inclusive, deixar de produzir no Brasil se a porteira abrir em definitivo para a importação de armas. Sediada no Rio Grande do Sul, um dos estados com a maior base bolsonarista do país, a companhia tem 82 anos e emprega cerca de 3,7 mil trabalhadores.

De acordo com reportagem publicada no jornal O Estado de S.Paulo, pela portaria que vem sendo desenhada, a fiscalização do Exército seria substituída por um documento internacional atestando a qualidade e a segurança dos equipamentos importados. Assim, as importadoras de produtos controlados não precisariam mais se submeter ao rígido processo de certificação nacional, que segue obrigatório para as fabricantes brasileiras.

Um dos maiores propagandistas de armamento importado é o filho 03 do presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro. Em suas redes sociais, ele costuma ostentar armas importadas e reclamar da burocracia para o ingresso desses dispositivos no país.

No primeiro ano de pandemia, em 2020, o Exército admitiu excepcionalmente suspender a fiscalização por dois anos alegando falta de estrutura. Esse prazo acaba neste mês de setembro, quando todos os importadores estariam obrigados a se submeter novamente à certificação nacional.

Antes de elaborar a portaria, o Exército realizou consulta pública para discutir o assunto. Grupos e entidades, como clubes de tiros e lojas de armas, fizeram campanhas para que seus membros endossassem o fim da fiscalização. Em texto que circulou nessas entidades, o argumento usado era que os armamentos importados “já se submeteram a procedimentos externos de avaliação” e que há poucas empresas no mercado nacional, “sendo necessário arejar com equipamentos importados quer para a manutenção da soberania nacional, quer para o atendimento da demanda interna”.

Entre os grupos que endossam a liberação está o Movimento Proarmas, o grupo mais representativo dos colecionadores de armas, atiradores e caçadores (CACs). Nas redes sociais, candidatos nas eleições de outubro apoiados pelo grupo convocaram seguidores para opinar na consulta pública promovida pelo Exército. “Eu vou ensinar os senhores a responder”, afirmou Cesar Mello (PP), que disputa vaga de deputado estadual no Paraná.

O movimento coincide também com o esvaziando da indústria nacional de armas. A reportagem do Estadão cita que a Indústria de Material Bélico do Brasil (Imbel), subordinada ao Exército, tem sofrido com redução de repasses. O orçamento deste ano é de R$ 209,2 milhões, o menor em valores absolutos desde 2008. Além disso, a indústria nacional não recebeu nem um real do chamado orçamento secreto, que financia emendas da base aliada do governo sem respeitar o princípio da transparência.

Procurado, o Exército admitiu à reportagem a existência da minuta, mas sustentou que ela não afrouxa o controle sobre armas importadas. “Também terão de comprovar a sua avaliação, segundo critérios previstos em normas de ampla aceitação internacional”, informou em nota. Os militares não comentaram sobre o impacto da medida na indústria nacional.

Afrouxamento do controle de armas alimenta sanha armamentista do governo. Número de clubes de tiro e armas dispararam sob Bolsonaro

O afrouxamento das regras coincide com a sanha armamentista do presidente Jair Bolsonaro, que, desde a primeira campanha à Presidência, tinha como bandeira armar o país. A tática tem dado certo. Dados do próprio Exército, divulgados recentemente, mostram que há em operação no Brasil 2.061 clubes de tiro. Quase metade deles (1.066) foi aberta de janeiro de 2019 a maio de 2022, ou seja, ao longo do governo Bolsonaro.

Para efeito de comparação, de 2003 a 2018, o Exército liberou o funcionamento de 70 clubes de tiro no país. Os estados com o maior número de clubes de tiro são Santa Catarina, com 30,57 por milhão de habitantes, e Rondônia, com 29,44 por milhão de habitantes.

Além dos clubes de tiro, o número de armas em circulação no país também subiu. O número de licenças para armas de fogo subiu 473,6%, de 2018 a 2022, conforme dados do Anuário de Segurança Pública, divulgado em junho passado. No período, o número de registros subiu de 117.467 para 673.818 até 1º de junho de 2022.

Importante ressaltar que, ao contrário do que disse o presidente, de que permitir ao cidadão armar-se para proteger-se, não reduziu a violência no país, pelo contrário. A população negra e periférica continua sendo a principal vítima da violência e morte por arma de fogo.

Além disso, no debate do domingo na TV Bandeirantes, o presidenciável pelo PDT, Ciro Gomes, lembrou que o próprio Bolsonaro, durante um assalto, teve a sua arma roubada.

À época, Bolsonaro era deputado federal (o assalto ocorreu em 1995), e os criminosos levaram a moto e uma pistola, uma Glock 380, do atual presidente. O então capitão da reserva, com 40 anos, declarou à imprensa sobre o assalto: “Mesmo armado me senti indefeso”.

Redação ICL Notícias
Com informações de O Estado de S.Paulo

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