Os militares das Forças Armadas tiveram o maior aumento médio de salário entre os servidores do governo federal em uma década. A renda dos militares do Exército, da Marinha e da Aeronáutica aumentou 29,6% acima da inflação do período, quase cinco vezes a média das carreiras federais (6,3%) e o dobro de todas as categorias do funcionalismo brasileiro (incluindo União, Estados e municípios), que registraram alta de 13,8% em média.
Entre dezembro de 2012 e março deste ano o ganho dos servidores das forças armadas só fica atrás do aumento de professores de ensino fundamental municipais (33,3%), que têm salários menores e foram beneficiados pela criação do piso da categoria. Na contramão dos reajustes acima da inflação, os pesquisadores tiveram uma queda de 18,3% na renda dos seus salários e os assistentes sociais, uma perda de 6%.
Os dados foram levantados pelo economista Daniel Duque para o Centro de Liderança Pública (CLP), organização que trabalha para desenvolver lideranças públicas e faz estudos para fomentar debates no Congresso e na sociedade brasileira dos problemas mais urgentes do país.
Duque mapeou os salários em grupos de categorias por trimestre, com base na Pnad contínua, pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O economista diz que a maior parte do aumento é explicada pelos reajustes dos salários, mas há também uma fatia bem menor da mudança de composição entre as pessoas que saem e as que entram no serviço público.
Ganhos da segurança e a Previdência das Forças Armadas
Profissionais da área de segurança, bombeiros e policiais estaduais tiveram aumento real de 25% e ficaram em terceiro lugar na lista apresentada pelo economista. Para Duque, os dados confirmam que os servidores das forças de segurança foram mais beneficiados ao longo dos últimos anos, sobretudo no período do governo Jair Bolsonaro (PL).
O presidente se elegeu com apoio desse grupo e tem adotado medidas que os favorecem ao longo do mandato. No primeiro ano do governo, Bolsonaro conseguiu que o Congresso aprovasse uma reforma da Previdência das Forças Armadas em separado, que incluiu uma reestruturação da carreira militar — que garantiu aumento dos salários sobretudo para as patentes mais altas.
Bolsonaro também permitiu que militares da reserva que estão em cargos elevados no governo, como os generais ministros, possam receber acima do limite do teto remuneratório do serviço público (hoje em R$ 39,3 mil), acumulando a aposentadoria e o salário de ministro.
Antes, os valores de aposentadoria e o salário do cargo comissionado ou eletivo eram somados, e o que ultrapassasse o teto era cortado. A benesse favoreceu inclusive Bolsonaro e o vice-presidente, Hamilton Mourão.
As patentes mais baixas continuam insatisfeitas e se juntaram aos servidores da Polícia Federal (PF) e da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e aos agentes penitenciários. Líderes dessas três carreiras dizem que o presidente os traiu ao não cumprir a promessa de dar um reajuste maior neste ano do que os 5% anunciados para todo o funcionalismo público federal.
Professores e profissionais de saúde
Os professores do ensino fundamental municipais tiveram alta de 33,3% nos salários, o maior aumento no período entre todas as carreiras no país. O crescimento é explicado, segundo Duque, pela criação do piso nacional de salários para os profissionais da educação em 2008. “Esse aumento decorre da política de valorização dos salários dos professores. Os professores ganhavam muito mal e houve margem para crescer”.
Essa variação mais alta não significa que o valor médio dos salários é elevado. Os dados do levantamento mostram que o salário médio dos professores municipais estava em R$ 4.170,70 no primeiro trimestre de 2022, contra um salário médio de R$ 6.740,902 dos militares das Forças Armadas, incluindo oficiais e patentes inferiores.
Os professores universitários federais, que tiveram uma alta salarial de 12,2% no período, têm o salário médio mais alto da lista: R$ 13.946,29. Já os professores universitários estaduais, que têm salários menores (R$ 9.977,54), tiveram um aumento mais baixo no período (6,4%).
Os médicos e os enfermeiros federais conseguiram um reajuste médio de 15,9%. Na esfera municipal o ganho foi de 10,1% e na estadual, houve queda real de 5,8% nos salários. Um recorte dos dados para o período entre 2018 e 2022 mostra que a queda salarial para os profissionais de saúde nos Estados foi ainda maior (13,1%). Houve queda também na esfera municipal (4,1%) e federais (1%).
No recorde de 2018 a 2022, a alta do salário médio de todo funcionalismo foi de apenas 0,2%. Parte desse reajuste menor tem relação com congelamento dos salários por dois anos, entre 2020 e 2021, que foi aprovado pelo Congresso durante a pandemia da Covid-19. O represamento dos salários reforçou o caixa do governo federal, mas tem gerado pressão adicional pela recomposição neste ano de eleições. Quase todos os Estados deram reajustes neste ano.
Poder Judiciário
Chama atenção no levantamento a queda de 20,9% do salário médio dos servidores do Poder Judiciário. Segundo Duque, essa queda é porque o teto remuneratório atinge grande parte do Judiciário, que tem salários mais altos do que o resto do funcionalismo público. “Por alguns anos, esse teto não foi reajustado, fazendo com que os salários desses servidores tivessem uma queda real”.
A perda de renda reforça a pressão dos magistrados e também do Ministério Público para que o Congresso aprove uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que recria um bônus por tempo de serviço a cada cinco anos, conhecido como quinquênio. A PEC do quinquênio tem apoio declarado do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que quer colocar a proposta em votação em breve.
Para Tadeu Barros, diretor-presidente do CLP, a aprovação da PEC seria um grande retrocesso ao país. O CLP trabalha pela aprovação da reforma administrativa, com novas regras para contratação, promoção e demissão dos servidores.
Barros diz que a volta de uma medida que prevê um aumento de 5% para todos os servidores a cada cinco anos está na contramão das mudanças necessárias para a modernização do serviço público, com maior eficiência e avaliação de desempenho com base em meritocracia. Para ele, um bônus desse tipo, que garante aumento dos salários sem performance comprovada, travaria avanços nessa direção e aumentaria ainda mais os gastos com a folha de pessoal.
‘Elefante na sala’
O diretor-presidente do CLP diz que tem havido mais prioridade na administração pública para professores, médicos e segurança publica — investimentos que afirma serem necessários —, mas que é preciso analisar a questão de forma mais ampla.
Usando uma analogia do reino animal, Barros diz que é preciso ter cuidado para não olhar para a formiga e deixar o elefante parado. “O elefante na sala hoje é a questão de supersalários. Temos servidores públicos ganhando acima do teto, e isso é imoral e um absurdo”.
Barros também chama atenção para o orçamento secreto, que vem drenando recursos para áreas não prioritárias, e afirma que a reforma administrativa (ainda não aprovada) tem um papel importante para aprimorar o capital humano no serviço público — e consequentemente as políticas públicas para áreas essenciais, como a saúde e a educação.
Estadão Conteúdo