Por ser o maior acionista da Eletrobras e com a intenção de ampliar o poder de decisão da União na empresa privatizada em junho do ano passado, o Governo, por meio da Advocacia-Geral da União (AGU), ajuizou na sexta-feira (5/5) ação com pedido liminar requerendo ao Supremo Tribunal Federal (STF) a declaração parcial de inconstitucionalidade de dispositivos da Lei nº 14.182/2021 (Lei de Desestatização da Eletrobras). Em fevereiro passado, AGU iniciou estudos sobre operação que reduziu poder da União sobre empresa elétrica.
Também subscrita pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, a ação solicita à Corte que dê interpretação à norma para afastar a regra nela expressa, na parte relativa à União, que proíbe que acionista ou grupo de acionistas exerçam votos em número superior a dez por cento da quantidade de ações em que se dividir o capital votante da empresa. Esse entendimento valeria apenas no caso de acionistas com essa posição antes do processo de desestatização.
A vedação consta no artigo 3º, inciso III, alíneas “a” e “b” da Lei de Desestatização da Eletrobras. De acordo com os fundamentos da ação, a aplicação imediata desses dispositivos às ações detidas antes do processo de desestatização representam grave lesão ao patrimônio e ao interesse públicos. Isso porque a União, mesmo após a desestatização da companhia, ocorrida em 2022, embora continue a ser sua maior acionista, teve seus direitos políticos drasticamente reduzidos por medida “injustificável do ponto de vista jurídico-constitucional”.
Segundo informações constantes da ação, com a privatização da Eletrobras, houve uma operação de aumento de capital da empresa por meio de oferta pública de ações em bolsa de valores. A União manteve cerca de 43% das ações ordinárias (considerado o controle direto e outras formas de participação). No entanto, pela regra imposta pela Lei de Desestatização, teve seu poder de voto reduzido a menos de dez por cento do capital votante.
A regra, questionada pela AGU por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), foi adotada originalmente com o objetivo de promover a “pulverização de ações” da empresa, impedindo que ela fosse controlada por grupos econômicos que a desviasse de suas finalidades de interesse social. No entanto, nas razões da ADI, a AGU argumenta que, em vez de cumprir o propósito para a qual foram instituídos, os dispositivos tiveram o efeito prático de desapropriar indiretamente os poderes políticos da União na companhia.
Em Londres, Lula anuncia que vai agir contra privatização da Eletrobras: “desmontar absurdos”
Como maior acionista (35% das ações), a União quer ter voz mais ativa. Hoje, ela só vota com 10% de sua participação, regra que vale para todos os acionistas como forma de impedir formação de blocos para assumir o controle da empresa. Para negociar os novos rumos da companhia, o governo quer substituições no conselho de administração e na diretoria-executiva, incluindo o presidente, Wilson Ferreira Junior.
Cogitou-se pedir que bancos públicos adquirissem ações para ter assento no conselho, mas essa ideia foi abandonada, porque se configuraria formação de bloco de controle, algo vetado pelo estatuto da nova companhia e também pelo mercado de capitais.
Durante fala a jornalistas no sábado (6) em Londres, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ressaltou que sua administração já está tentando ‘desmontar absurdos’ envolvidos no processo da venda da empresa de energia: “eu não entrei contra a privatização da Eletrobras. Eu ainda pretendo entrar. O que entrei foi o seguinte: ela foi privatizada e o Estado tem 43% das ações e nós só temos 8% dos votos. Veja se é possível uma coisa dessa”.
“A segunda coisa é que na privatização da Eletrobras, se o governo quiser comprar ações de volta, terá que pagar três vezes o preço oferecido a outro comprador. É isso que foi feito. Além de que os diretores aumentaram seus salários de R$ 60 mil para R$ 360 mil por mês. E um conselheiro, para fazer uma reunião, ganha R$ 200 mil por mês. Como é possível, num país que tem 33 milhões de pessoas passando fome, conviver com uma situação dessa?”, contestou Lula.
“Por isso que, esses absurdos, eu vou tentar desmontá-los”, concluiu o presidente.
Grave lesão ao interesse público
Os autores da ADI sustentam que a regra limitadora do direito de voto, quando analisada em conjunto com outras características do processo de desestatização da Eletrobras, gera ônus desproporcional à União e grave lesão ao interesse público, em clara violação ao direito de propriedade do ente federativo, “aos princípios da razoabilidade, da proporcionalidade, e de diversos mandamentos constitucionais que regem a atuação da Administração Pública”.
Eles chamam a atenção para o fato de que, embora devesse ter sido redigida com as características de generalidade e abstração, como devem ser as normas em geral, a regra se restringe apenas ao direito de propriedade da União, única acionista a possuir ações em volume superior a dez por cento das ações ordinárias. “Assim, a regra veio apenas a malferir os direitos políticos da União em favor dos demais acionistas minoritários da companhia”, anota a petição inicial.
A ação destaca ainda que, além de prejudicar o Estado, os dispositivos questionados criam um incentivo perverso contrário à concretização do próprio modelo de privatização projetado pela Lei de Desestatização da Eletrobras. Tal modelo prevê a diluição do capital social da União por meio de novos aportes de recursos (investimentos) para a empresa mediante a oferta de novas ações ordinárias.
Para a AGU, isso ocorre porque a oferta de novas ações também impactaria o poder político dos atuais minoritários, que exercem o controle de fato da empresa. “Assim, a limitação de dez por cento – que atinge única e exclusivamente o bem público dominical de propriedade da União – incentiva a manutenção do status quo, em que pequenos acionistas controlam de fato a empresa em detrimento do poder político da União nas assembleias”, argumentam.
Gestão privada
Na petição dirigida ao STF, os autores esclarecem que a finalidade da ação não é a reestatização da Eletrobras, que continuará a ser uma empresa sob gestão privada, mas sim o resguardo do interesse público. Ressaltam que o propósito da medida judicial é obter uma interpretação adequada da legislação para que a União possa participar da gestão da Eletrobras de forma proporcional ao investimento público que possui na empresa, e à sua responsabilidade na gestão de recursos energéticos.
Para o advogado-geral da União, Jorge Messias, considerando o interesse público da matéria, é legítima a busca de uma interpretação da lei que possibilite à União exercer plenamente seus direitos políticos na Eletrobras de forma proporcional ao capital público nela investido. “Não podemos esquecer que a União tem responsabilidade pela gestão do sistema elétrico brasileiro”, diz. “Qualquer crise que atinja a empresa não pode deixar de ser resolvida senão no sentido da preservação de sua atividade, que significa, em última instância, a própria continuidade da economia nacional”, acrescenta.
A ADI ajuizada no STF requer, em suas conclusões, a suspensão, em caráter liminar, dos dispositivos da Lei de Desestatização da Eletrobras com efeitos retroativos até o julgamento final do processo pela Corte. Ressalta que a regra deve ser aplicada apenas ao direito de voto referente a ações adquiridas após a desestatização da empresa.
Redação ICL Economia
Com informações das agências de notícias e com informações da Advocacia-Geral da União