Saiba quais são os interesses por detrás dos insultos do bilionário Elon Musk ao Brasil

Para além da comunicação, o bilionário sul-africano radicado nos Estados Unidos estaria interessado no potencial de produção de lítio no Brasil, metal usado na produção de carros elétricos, como os produzidos pela Tesla, uma de suas empresas.
10 de abril de 2024

O bilionário falastrão Elon Musk decidiu direcionar a sua artilharia contra o Brasil. O alvo principal foi o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes, cujas decisões atingem diretamente a rede social X (antigo Twitter), da qual Musk é dono.

No bojo do debate estariam decisões de Moraes pedindo para suspender perfis no antigo Twitter que divulgam fake news. Lançando mão de uma narrativa largamente usada pela extrema direita, Musk acusou Moraes de cercear a “liberdade de expressão”. O fato é que os donos dessas redes ganham muito dinheiro com divulgação de mentiras que colocam em risco a democracia.

A postura de Musk, no entanto, não é usual. Afinal, há desafios regulatórios em diversos países e ele sempre deixa o seu ativismo de extrema direita em segundo plano para não afetar o ingresso de seus demais negócios nessas nações.

Na Índia, por exemplo, o X até se posicionou contrário a decisões judiciais do país chefiado pelo primeiro-ministro Narendra Modi, do partido de extrema direita Bharatiya Janata Party, há mais de uma década. Mas fez questão de dizer que acataria cada uma delas.

Lá, Musk pretende investir US$ 3 bilhões em fábricas da Tesla para frear o avanço da sua principal concorrente, a chinesa BYD, na região.

Na América do Sul, ele já havia tomado atitude parecida com a que tomou contra o Brasil na Bolívia, em 2020. Naquele ano, o bilionário respondeu a um tuíte crítico ao seu apoio ao golpe contra o governo de Evo Morales por interesse no lítio boliviano. “Vamos dar golpe em quem quisermos! Lide com isso”, Musk respondeu. O tuíte foi apagado depois.

No Brasil, ele decidiu usar uma estratégia diferente usando o X para desestabilizar o país e impulsionar seus próprios negócios.

Tanto que, depois que ele atacou Moraes na rede social da qual é dono, as críticas ao STF escalaram na rede X. Segundo pesquisa Quaest divulgada ontem (9), as menções negativas contra o Supremo nas redes foram 68% no período entre 0h de domingo e as 13h de terça. Já 32% das menções foram críticas a Musk. A média de menções por dia foi de 865 mil, com alcance de 72 milhões.

A investida foi coordenada: primeiro, no dia 4, os Twitter Files, que mostram os advogados da empresa reclamando das ordens de Xandão, que pediu o bloqueio de contas envolvidas em manifestações golpistas. Depois, um tuíte provocativo do próprio Musk, chamado de “apito de cachorro”, para mobilizar bolsonaristas contra a dita “censura” do jurista. O circo foi armado: Jair Bolsonaro e Eduardo Bolsonaro fizeram uma live, Nikolas Ferreira, Paulo Figueiredo e Allan dos Santos, que estava banido, fizeram outra.

A estratégia de Elon Musk tem endereço: as reservas de lítio no Brasil

O pano de fundo da estratégia de Musk é puramente comercial e envolve interesses de outras empresas do conglomerado: a SpaceX, a Starlink e a Tesla, na chamada corrida pelo “petróleo branco”, como vem sendo chamado o lítio, metal usado na produção de quase tudo o que temos hoje, como energia solar, celulares e baterias para carros elétricos, produzidos pela Tesla.

Em 2023, uma reportagem da Bloomberg mostrou que Elon Musk estaria interessado em comprar a Sigma Lithium, uma das maiores mineradoras de lítio no mundo. O metal é fundamental na produção dos carros elétricos da Tesla. Uma das fornecedoras da empresa de Musk é a brasileira Vale, que vende lítio e níquel.

Em 2022, quando Musk veio ao Brasil – oficialmente para lançar sua internet por satélite, a Starlink, duas pesquisadoras da USP (Universidade de São Paulo) levantaram dúvidas sobre os reais interesses da visita. Em um artigo, Eliane Cristina Silva dos Santos, do Instituto de Estudos Avançados, e Maria da Penha Vasconcellos, professora da Faculdade de Saúde Pública, mostraram que a visita aconteceu em um momento extremamente estratégico na produção de lítio brasileiro.

O metal é o mais leve que existe e é considerado fundamental em tempos de transição energética. A América Latina, sobretudo Argentina, Bolívia e Chile, concentra 68% das reservas mundiais do metal, sendo considerados o “Triângulo do Lítio”.

Disputa com a chinesa BYD

A Tesla é a segunda maior fabricante de veículos elétricos do mundo, atrás apenas da chinesa BYD  — e, portanto, uma grande compradora das baterias de íon-lítio.

Recentemente, a BYD anunciou investimentos de R$ 3 bilhões na Bahia, onde vai instalar três fábricas em Camaçari. Em Brasília, o governo reativou o CNDI (Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial), com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva falando em “revolução” no setor.

O interesse é tanto que, em 2022, Musk chegou a dizer em sua rede social X (ex-Twitter) que, devido aos preços do lítio terem disparado ante a alta da demanda no mercado, “a Tesla pode realmente ter que entrar na mineração e no refino diretamente em escala, a menos que os preços melhorem”.

O mais recente relatório publicado pelo Serviço Geológico dos Estados Unidos aponta que, atualmente, o Brasil fica mais atrás do “Triângulo do Lítio, com estimativas de reservas que não alcançam 1 milhão de toneladas (800 mil na verdade).

Mas, quando o assunto é produção de lítio, o cenário favorece o Brasil, que ocupa a quinta posição (4,9 mil toneladas), atrás da Austrália (86 mil toneladas), Chile (44 mil toneladas), China (33 mil toneladas) e Argentina (9,6 mil toneladas).

Nos últimos anos, o Serviço Geológico brasileiro descobriu várias reservas de lítio, sobretudo no Vale do Jequitinhonha, norte de Minas Gerais. Três empresas exploram o minério na região: a Companhia Brasileira de Lítio, a canadense Sigma e a AMG Mineração.

Ou seja, para além de dominar a narrativa política por meio da rede X, o empresário sul-africano radicado nos Estados Unidos quer usar o Brasil como uma das peças de seu tabuleiro para fazer frente à BYD.

Redação ICL Economia
Com informações do The Intercept e do Valor Econômico

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