Jair Bolsonaro torrou R$ 27,6 milhões em gastos pessoais no cartão corporativo ao longo dos quatro anos na Presidência

Muitas das despesas incluem gastos supérfluos, como compra de sorvetes, cosméticos, combustível gasto em motociatas, mas metade do valor foi gasto em hospedagens em hotéis de luxo
12 de janeiro de 2023

Eleito sob a bandeira da honestidade e de ser um homem de hábitos simples, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) torrou, ao longo dos quatro anos à frente da Presidência da República, R$ 27,6 milhões em gastos pessoais no cartão corporativo, em uma clara mistura do público com o privado. Muitas das despesas incluem itens supérfluos, como compra de sorvetes, cosméticos, combustível gasto em motociatas. Mas metade do valor foi destinado a hospedagens em hotéis, alguns deles de luxo. A informações foram obtidas pela agência de dados independente Fiquem Sabendo, por meio da LAI (Lei de Acesso à Informação), e divulgadas ontem à noite (11).

O curioso é que Bolsonaro foi o único presidente a dizer que não fazia uso do cartão corporativo, o que agora se mostra mais uma das tantas inverdades ditas por ele. Em entrevista à rádio Joven Pan, ele chegou a dizer: “A média (de gastos no cartão corporativo) está em R$ 3 milhões. Nunca gastei um centavo, eu posso sacar até R$ 25 mil por mês e tomar Itubaína, mas nunca usei”, disse. Os valores gastos, no entanto, podem ser ainda maiores, pois nem todos os dados de despesas com cartão foram consolidados.

No ano passado, um levantamento feito pelo deputado federal Elias Vaz (PSB-GO) revelou que, somente entre 10 de abril e 5 de maio de 2022, foram mais de R$ 4,2 milhões pagos com o cartão ligado à Presidência da República.

Os gastos feitos por Bolsonaro desviam a função do Cartão Corporativo ou Cartão de Pagamento do Governo Federal (CPGF). Durante participação do ICL Notícias no ano passado, Pedro Pontual, mestre em políticas públicas e presidente da Anesp (Associação Nacional dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental), explicou que o cartão “é uma ferramenta para que se possa resolver problemas em campo, quando o presidente da República faz um deslocamento e tem toda uma necessidade de segurança, por exemplo, além de demais requisitos que são atípicos da administração pública. São despesas que não dariam para fazer um processo de licitação. Ele facilita um processo dinâmico, em que podem aparecer imprevistos”.

Ao jornal O Estado de S.Paulo, o jornalista Luiz Fernando Toledo, um dos fundadores da organização, foram feitos mais de 10 pedidos via LAI para ter acesso aos gastos do cartão corporativo da Presidência durante a gestão Bolsonaro – e todos foram negados usando o argumento de que revelar as despesas poderia colocar em risco o presidente e familiares. Em todos os casos, a justificativa foi de que as informações seriam divulgadas depois do fim do mandato, baseado no inciso segundo do artigo 24 da LAI.

Os últimos lançamentos de notas fiscais no cartão datam de 19 de dezembro, referente à compra de comida. Apesar de constarem os R$ 27,6 milhões, os valores podem ser maiores, uma vez que um relatório do TCU (Tribunal de Contas da União) apontou R$ 21 milhões com o cartão da presidência apenas nos dois primeiros anos de mandato de Bolsonaro.

Gastos com hotéis foram os que mais consumiram recursos do cartão corporativo usado por Bolsonaro: R$ 13,6 milhões

Conforme publicado pelo Estadão, constam no sistema 22 CPFs de servidores responsáveis pelas compras, mas apenas dois concentram a metade das notas fiscais. Dos 59 tipos de despesas feitas com o cartão, os gastos com hotel foram os que mais consumiram recursos: R$ 13,6 milhões. As dez maiores notas fiscais de despesas no cartão corporativo são de hospedagem, variando entre R$ 115 mil e R$ 312 mil.

Entre os hotéis de luxo onde Bolsonaro ficou hospedado está o Ferraretto Hotel, em Guarujá (SP), que tem diárias de R$ 436 a R$ 940. No local, o ex-presidente costumava passar momentos de descanso. Ao longo dos quatro anos, o estabelecimento recebeu R$ 1,46 milhão.

Entre as notas, chama a atenção uma, no valor de R$ 109 mil, do Sabor de Casa, estabelecimento que fornece marmitas promocionais a R$ 20 e também faz entregas, localizado em Boa Vista (Roraima). A nota fiscal é de 26 de outubro de 2021, quando Bolsonaro estava na cidade para verificar a situação de refugiados vindos da Venezuela. O mesmo local recebeu dois pagamentos – de R$ 28 mil e R$ 14 mil – em setembro do mesmo ano.

Há ainda gastos que ultrapassam R$ 10 mil em padarias. Segundo o jornal, por 20 vezes ao longo do mandato de Bolsonaro, foram realizados gastos significativos em uma das filiais da padaria carioca Santa Marta. As notas fiscais variam de R$ 880 (menor valor) a R$ 55 mil (maior valor), com média de R$ 18 mil. Ao todo, o estabelecimento recebeu R$ 362 mil do cartão corporativo da presidência. Um dos gastos – de R$ 33 mill – foi no dia 22 de maio de 2021, na véspera de uma motociata realizada no Rio de Janeiro.

Presidente gastou R$ 680 mil em “mercadinho gourmet” de Brasília

Em Brasília, Bolsonaro gastou mais de R$ 680 mil em um “mercadinho gourmet”, o Mercado La Palma, um dos mais caros de Brasília. Foram 1.264 compras feitas com dinheiro público no local, que tem lojas na Asa Norte e na Asa Sul. Lá, a compra mais cara foi de R$ 4.021,90.

Em uma motociata realizada na Serra Gaúcha e em Porto Alegre (RS), entre os dias 9 e 10 de julho de 2021, Bolsonaro gastou R$ 166 mil no cartão corporativo, em 46 despesas, concentradas em hospedagem, alimentação e combustível.

Dos gastos inusitados, foram feitas 62 compras em sorveterias, somarando R$ 8,6 mil. Em uma única vez foram gastos R$ 540. Também há 11 despesas em lojas com cosméticos que somam R$ 1 mil.

Outras gastos feitos também foram compras na filial da Havan no Distrito Federal (R$ 460), loja de Luciano Hang, empresário apoiador ferrenho do ex-presidente, totalizando R$ 460, e um gasto de R$ 1,4 mil em uma antena parabólica durante as férias de janeiro do ano passado, em São Francisco do Sul (SC).

Aparentemente, os gastos em viagens internacionais não estão na base de dados. É o caso das despesas entre 18 e 19 de setembro, em Londres, durante o funeral da Rainha Elizabeth.

Lembrando que o salário do presidente é fixado em R$ 30,9 mil. E que, em 2008, o ex-ministro dos Esportes Orlando Silva gastou R$ 8,30 para comprar uma tapioca no cartão corporativo e o assunto virou um escândalo.

Redação ICL Economia
Com informações do jornal O Estado de S.Paulo

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