Veto de Bolsonaro à Lei Aldir Blanc retira dinheiro da cultura e da economia do país

A cadeia produtiva prejudicada com o veto é muito grande, "vai do pipoqueiro ao bilheteiro", abrangendo a produção que está além da boca de cena
10 de maio de 2022

Com o veto integral do presidente Jair Bolsonaro à nova Lei Aldir Blanc, o setor cultural e de eventos, que foi um dos mais prejudicados pela pandemia da Covid-19, com o fechamento de casas de shows e espetáculos e deixou sem renda milhares de trabalhadores, volta a ser penalizado.

A decisão do veto foi publicada no último dia 5, depois do Legislativo ter aprovado o projeto no final de março. De autoria da deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), o projeto de lei transferiria recursos federais a estados e municípios para o financiamento de iniciativas culturais, no montante de R$ 3 bilhões anuais, durante cinco anos, e alcançaria 4.176 municípios de todas as 27 unidades da Federação, ou 75% das cidades do país. A estimativa é de que proposta geraria 412 mil empregos.

Pela lei,  80% dos recursos enviados aos governos estaduais e municipais deveriam apoiar ações do setor cultural por meio de editais, chamadas públicas, prêmios e compra de bens e serviços culturais; os outros 20% seriam aplicados em ações de incentivo direto a programas e projetos para democratizar o acesso à cultura e levar produções a periferias e áreas rurais, por exemplo, assim como áreas de povos e comunidades tradicionais.

Ao vetar integralmente a lei, o presidente Bolsonaro alegou que o projeto é “inconstitucional e contraria ao interesse público”. Entre as razões apresentadas, o governo federal informou que “o veto decorre da necessidade de salvaguardar as contas públicas, haja vista que o setor cultural já foi contemplado por outras ações de recuperação durante a pandemia”.

Veto à Lei Aldir Blanc é “puramente ideológico”

O ICL Notícias, desta segunda-feira (9), entrevistou a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), autora da lei, que considerou o veto do presidente como sendo “puramente ideológico, porque é tecnicamente vazio, não tem sustentação. É uma perversidade ideológica com uma lei que tem o apoio da sociedade inteira. Teve 400 votos na Câmara e nenhum voto contra no Senado. Uma lei unânime votada no Senado Federal”.

A deputada enfatizou a importância da lei também do ponto do vista econômico, dada sua dimensão na cadeia produtiva da cultura. O IBGE aponta quase seis milhões de trabalhadores na cultura em todo o país. Número esse, segundo Jandira, que poderia ser ainda maior: no levantamento “não estão incluídas todas as culturas regionais, como, por exemplo, os sanfoneiros de São João, as cirandas do nordeste, os artesãos da região norte, as populações ribeirinhas, as aldeias indígenas. Se fossem incluídos poderíamos chegar a muito mais de seis milhões”.

É uma cadeia produtiva muito grande, que “vai do pipoqueiro ao bilheteiro, a toda a cadeia de produção que não está na boca de cena, que está na coxia, e que tem repercussão no turismo, em todas aqueles que trabalham com entretenimento, indo até ao transporte”, ressalta a parlamentar.

Dinheiro da cultura movimenta a economia

O economista Eduardo Moreira, comentarista do ICL Notícias, também argumentou que os R$ 3 bilhões por ano, que a lei destinaria à cultura, abasteceriam uma camada da população e trariam o valor de volta à economia. “É um dinheiro que depois vai ser usado para comprar carne, arroz, tijolo, tubos e conexões, vai ser usado para pegar um táxi”, defendeu.

Moreira fez uma comparação sobre a importância de valores pagos que giram a economia. “O multiplicador econômico dos juros que é pago pela dívida pública é 0,7, ou seja, cada um real pago como juro da dívida pública nacional faz a economia crescer só 0,7. Já o multiplicador, por exemplo, do BPC (Benefício de Prestação Continuada) pago às pessoas que vivem em situação de miséria é quase dois, ou seja, cada um real que você paga volta como R$ 2 para a economia. Isso porque é um dinheiro que se movimento, não é de poupador”.

Em 2020, número de trabalhadores da cultura caiu 11,2%

O veto da Lei Aldir Blanc causou uma onda de críticas ao presidente Bolsonaro, principalmente quando se observa o aperto que o setor cultural viveu durante a pandemia e que foi medido em números pelo IBGE. Em 2020, o número de trabalhadores da cultura caiu 11,2% em relação ao ano anterior. Na economia como um todo, a redução foi menor, de 8,7% no mesmo período.

Mais de 600 mil trabalhadores perderam seus empregos, com plateias vazias nos teatros, cinemas, casas de espetáculos e outras atividades culturais. Para complicar a situação, os investimentos públicos em cultura feitos pelo governo federal foram os menores da série histórica, iniciada em 2009. Naquele ano, de tudo o que foi gasto pelo governo federal, 0,08% foi para cultura, percentual que foi caindo até em 2020, quando chegou a um terço do pico da série, em 2013.

Deputada afirma que há forte pressão para derrubada do veto

A lei agora vetada por Bolsonaro é o segundo programa de auxílio ao setor cultural a receber o nome do músico Aldir Blanc, que morreu em 2020 por complicações da Covid. A primeira, sancionada em agosto de 2020, destinou R$ 3 bilhões emergenciais, em parcela única, a iniciativas de cultura. O texto obrigou estados e municípios a devolverem ao governo federal, em janeiro deste ano, verbas não utilizadas do programa e estabeleceu o fim de 2022 como prazo final para que os entes prestem contas para demonstrar como os recursos foram aplicados.

A deputada Jandira Feghali enfatiza que a primeira lei Aldir Blanc (2020) aconteceu em 4.700 municípios, em todos os estados e no Distrito Federal, ou seja, nunca uma política federal chegou a tantos municípios. “Imagina o que significou a lei. Agora, todos os gestores, secretários municipais, prefeitos querem a nova lei Aldir Blanc. Então, nós vamos derrubar esse veto, a pressão está forte”, afirmou.

Redação ICL Economia
Com informações das agências

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