O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) minimizou, nesta quinta-feira (17), uma possível reação negativa do mercado financeiro à PEC (Proposta de Emenda à Constituição) da Transição, que prevê despesas de R$ 175 bilhões acima do teto de gastos para manter o Bolsa Família, como vai voltar a se chamar o Auxílio Brasil, em R$ 600 no ano que vem. Sobre isso, Lula deu a seguinte declaração hoje, durante encontro com organizações não governamentais na COP27 (Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas), no Egito: “Se eu falar isso vai cair a Bolsa, vai aumentar o dólar? Paciência!”, disse o petista.
A fala ocorreu porque Lula defendeu furar o teto de gastos como uma “responsabilidade social”, para conseguir financiar programas sociais em seu terceiro mandato à frente da Presidência do Brasil, que começa em janeiro de 2023. Segundo o petista, a flutuação dos índices da bolsa, assim como o dólar, não acontece “por causa das pessoas sérias, mas por conta dos especuladores que ficam especulando todo santo dia”.
O presidente eleito continuou: “Nós temos que cumprir meta de inflação, sim. Mas nós temos que ter meta de crescimento. Nós temos que ter algum compromisso de crescimento, de geração de emprego, se não, como você vai fazer para que a riqueza seja distribuída? Nós temos que garantir que vamos aumentar o salário mínimo acima da inflação”, discursou em uma sala de convenções que ficou lotada com representantes de ONGs.
Ontem (16), a equipe do governo de transição, coordenada pelo vice-presidente, Geraldo Alckmin (PSB), entregou ao Congresso a minuta do texto da PEC de Transição, propondo a retirada de programas sociais, como o Bolsa Família, do teto de gastos, regra fiscal que limita o aumento de gastos do governo à inflação passada.
Lula, que sempre defendeu tirar as despesas com programas sociais do teto de gastos ao longo da campanha, por entender que não se tratam de despesas, mas de investimentos, disse ainda que “quando você coloca uma coisa chamada teto de gastos tudo que acontece é você tirar dinheiro da saúde, tirar dinheiro da educação, tirar dinheiro da ciência e tecnologia, tirar dinheiro da cultura. Você tenta desmontar tudo aquilo que faz parte do social. E você não mexe em um centavo do sistema financeiro. Você não mexe um centavo daquele juro que os banqueiros têm que receber”, afirmou.
O presidente eleito está participando da COP 27 a convite de diversas autoridades do evento. Ontem, ele discursou na conferência propondo uma aliança para combater a fome em todo o mundo. Também cobrou dos países ricos o cumprimento da promessa de recursos para enfrentamento dos efeitos das mudanças climáticas nos países mais pobres. Ainda, o petista prometeu se esforçar para zerar o desmatamento até 2030 e punir o garimpo, a mineração, a extração de madeira e a agropecuária ilegais. O discurso de Lula ganhou grande repercussão na imprensa internacional.
Chiliques do mercado financeiro devido ao furo no teto de gastos não têm razão de ser
No último dia 10, o mercado financeiro viveu um dia de histeria, devido à volta da inflação no positivo e, principalmente, a um discurso de Lula no qual ele, emocionado, questionou: “Por que as pessoas são levadas a sofrer por conta de garantir a tal da estabilidade fiscal nesse país? Por que, toda hora, as pessoas falam que é preciso cortar gasto, que é preciso fazer superávit, que é preciso fazer teto de gasto? Por que as mesmas pessoas que discutem com seriedade o teto de gasto não discutem a questão social deste país?”. O discurso de Lula foi a deixa para a Ibovespa cair 3,35% e o dólar subir 4,10%, a R$ 5,394.
Furar o teto de gasto é uma medida considerada necessária para evitar um apagão social no ano que vem, já que a proposta de Orçamento enviada em agosto pelo governo Jair Bolsonaro (PL) assegura apenas um valor médio de R$ 405,21 para os beneficiários, além de impor cortes severos nas verbas para a habitação e no Farmácia Popular.
Sobre os constantes chiliques dessa entidade chamada mercado, os economistas do ICL Deborah Magagna e André Campedelli escreveram, em artigo, que os ruídos emitidos pela turma da Avenida Faria Lima, coração financeiro de São Paulo e do país, indicam que “a benevolência do mercado financeiro será muito menor num governo de esquerda do que foi num governo de extrema-direita com a dupla BolsoGuedes”.
Ambos lembram ainda que, quando o atual governo furou o teto de gastos diversas vezes para fazer caber no Orçamento as medidas eleitoreiras do presidente Jair Bolsonaro (PL), “não houve nenhum movimento brusco de queda da bolsa nem uma elevação considerável do câmbio. O tal mercado até parecia incentivar isso”, escreveram.
Os economistas ainda alertam: “a grande verdade é que o ‘risco fiscal’, o primo do fantasma do comunismo, é somente uma expressão bonita que nada diz, mas que tem força suficiente para causar medo em pessoas que se julgam intelectualmente superiores, como boa parte da classe média. Mas na verdade não passa de uma falácia sem fundo algum de verdade. Ela se baseia na ideia de que a economia de um país funciona do mesmo jeito que a condução de uma casa”, pontuam, para defender depois: “A verdade é que o gasto pedido pela equipe de Lula é mais do que essencial. É preciso que exista dinheiro para levar para frente programas importantes, como a volta da Farmácia Popular, do Bolsa Família de R$ 600 e do salário mínimo com aumento real. Boa parte desse dinheiro será destinado à renda das pessoas mais pobres, que vão gastar quase que integralmente tal valor. E isso vai fazer crescer a economia”.
Para Magagna e Campedelli, essa história de risco fiscal, com teto de gasto, “não existe”, sendo apenas uma forma “sofisticada” do mercado financeiro e a grande mídia tentarem emplacar “o programa econômico do perdedor da política ao vencedor das eleições”, uma vez que os agentes sempre foram mais condescendentes com a condução da economia do governo eleito pelo mercado – o atual.
Ainda sobre a COP27, Lula participa hoje de encontro com lideranças indígenas e também fará reuniões com o ministro do Meio Ambiente da Noruega, Espen Barth Eide, e com a ministra das relações exteriores da Alemanha, Annalena Baerbock, ambos países doadores do Fundo Amazônia, que deve ser destravado depois da posse do petista.
Redação ICL Economia
Com informações da Folha de S.Paulo