Artigo: Lula e sua crítica ao neoliberalismo

Políticas progressistas econômicas sempre foram uma versão mais “light” do neoliberalismo
25 de setembro de 2023

Artigo de Deborah Magagna e André Campedelli *

Na  última semana, Lula discursou na abertura do Congresso da ONU, como já é tradição no evento, e fez um forte discurso tratando sobre problemas ambientais, liberdade de imprensa, desigualdade social e até mesmo sobre embargos econômicos dos Estados Unidos. Porém um dos pontos de principalmente destaque na parte econômica, foi a crítica contundente realizada ao neoliberalismo. E como sempre, a ala liberal já correu para tentar rebater as críticas, tentando mostrar até mesmo que “não existe neoliberalismo”.

A grande verdade é que Lula foi certeiro em sua crítica ao neoliberalismo e seu papel na ascensão da extrema-direita no poder de diversos governos mundiais. Existe um mundo que acabou em 2008, e desde então existe uma enorme dificuldade de se recompor os cacos gerados pela grande crise ocorrida naquele momento. A humanidade parece ter perdido a fé de vez no sistema político econômico anterior, porém somente o que foi oferecido a todos desde então foram novas versões de um neoliberalismo soft, com pouco ou nada de mudança estrutural na condução econômica.

O mundo neoliberal, criado a partir do final da década de 1970, substituindo o estado de bem-estar social do pós-guerra, foi pautado através do individualismo das pessoas, que só dependiam delas, nessa visão, para ter sucesso na vida. A figura do “self-made man” foi enaltecida, e todo o arcabouço de seguridade social foi esvaziado. Direitos trabalhistas pelo mundo ficaram cada vez mais raros, e nessa lógica do cada um por si, a competição de todos contra todos gerou ganhos fictícios no melhor lugar do mundo para isso acontecer, a bolsa de valores.

Então o que garantia que as pessoas tivessem uma renda decente, uma casa para morar e inclusive um futuro, pois suas poupanças estavam todas investidas em títulos privados, era a eficiência e a alta do mercado financeiro. Porém, em 2008, esse mundo ruiu, o mercado colapsou e nunca mais foi o mesmo. O resultado foi que as pessoas perderam suas casas, os empregos nunca mais foram os mesmos e o futuro delas foi destruído. Muitos agora nunca poderão se aposentar, e vivem da saudade de um tempo em que as coisas eram melhores.

E isso gerou uma multidão de pessoas desiludidas com o sistema que elas aprenderam a amar. A fé pela democracia e pelo “sistema” acabou, e criou uma legião de órfãos de um mundo que nunca existiu, mas que dá saudades. E isso criou o caminho para que a extrema-direita pudesse agir. Ela conseguiu captar o coração e a mente dessas pessoas desiludidas, que já tinham algo, mas agora não tinham mais nada.

A parte mais esperta foi apontar o dedo para um inimigo em comum, buscando distrair as pessoas da verdadeira causa de seus males. O problema eram os outros, as pessoas da comunidade LGBT, os imigrantes, as minorias em geral. Graças a essa “subversão” de valores que o mundo mudou. E ainda aumentaram a aposta no liberalismo econômico, vendendo agora como solução algo ainda mais radical, pautado em ideias de ausência quase total do estado e liberdade econômica irrestrita. E graças a aventura neoliberal que temos agora esse mundo que beira ao colapso com a extrema-direita ganhando cada vez mais adeptos pelo mundo.

Então a raiz do problema do mundo hoje é justamente essa. E a esquerda progressista também tem sua culpa nisso. Em nenhum momento ocorreu uma tentativa de mudança de fato da estrutura econômica. As políticas progressistas econômicas sempre foram uma versão mais “light” do neoliberalismo, buscando controle inflacionário acima de tudo, equilíbrio fiscal e garantias de ganho ao capital financeiro e especulativo. A única grande diferença é que algumas migalhas são jogadas nas pessoas de menor renda com alguns programas sociais, mas estruturalmente, pouco mudou as coisas.

*Deborah Magagna é economista do ICL, graduada pela PUC-SP, com pós-graduação em Finanças Avançadas pelo INSPER. Especialista em investimentos e mercados de capitais

*André Campedelli é economista do ICL e professor de Economia. Doutorando pela Unicamp, mestre e graduado em Ciências Econômicas pela PUC-SP, com trabalhos focados em conjuntura macroeconômica brasileira

 

 

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