Artigo de Deborah Magagna e André Campedelli *
Lula nem assumiu a presidência do Brasil e os ruídos vindos da Avenida Faria Lima já começaram a surgir. Após um pronunciamento em que o presidente eleito falou sobre a necessidade de evitar que pessoas passem fome, além de propor que gastos sociais não façam parte do teto de gastos, o chamado “mercado” ficou nervoso, chorou, esperneou e fez com que a bolsa tivesse forte queda e o dólar uma grande alta. Isso mostrou que a benevolência do mercado financeiro será muito menor num governo de esquerda do que foi num governo de extrema-direita com a dupla BolsoGuedes.
Isso porque existiram diversos motivos para um mau humor dessa entidade mítica chamada mercado durante o mandato de Paulo Guedes, mas que não ocorreu. Aliás, ele ganhou até estátua em alguma corretora como homenagem ao “bom trabalho” na frente do Ministério. Quando se quebrou o teto nas últimas vezes, inclusive numa clara demonstração de que as medidas só visavam o período eleitoral, não houve nenhum movimento brusco de queda da bolsa nem uma elevação considerável do câmbio. O tal mercado até parecia incentivar isso.
A grande verdade é que o “risco fiscal”, o primo do fantasma do comunismo, é somente uma expressão bonita que nada diz, mas que tem força suficiente para causar medo em pessoas que se julgam intelectualmente superiores, como boa parte da classe média. Mas na verdade não passa de uma falácia sem fundo algum de verdade. Ela se baseia na ideia de que a economia de um país funciona do mesmo jeito que a condução de uma casa. Você só deve gastar o dinheiro que ganha, e deve sempre poupar um pouco para os tempos difíceis.
Mas a condução de um país é muito mais complexa do que isso. Um país emite sua própria moeda e se financia nesta moeda. Um país, quando gera um gasto, automaticamente gera renda para uma série de pessoas, que usarão este dinheiro com novos gastos, e assim o ciclo virtuoso se desenha. E, adivinhem, em todo o gasto que se realiza, parte dele volta ao próprio governo em forma de impostos! Então, gastar acima do que se arrecada não é sinal de que você vai ficar negativado.
A verdade é que o gasto pedido pela equipe de Lula é mais do que essencial. É preciso que exista
dinheiro para levar para frente programas importantes, como a volta da Farmácia Popular, do Bolsa Família de R$ 600 e do salário mínimo com aumento real. Boa parte desse dinheiro será destinado à renda das pessoas mais pobres, que vão gastar quase que integralmente tal valor. E isso vai fazer crescer a economia. Com uma economia crescendo, mais impostos serão arrecadados, e isso vai elevar a receita do governo. Ou seja, no médio prazo, o gasto será não somente reposto, como vai gerar um superávit das contas públicas.
Não é por acaso que, durante todo o período em que o Brasil conseguiu realizar superávit primário – nos governos Lula e Dilma I e nos dois últimos anos do governo Bolsonaro – foram justamente aqueles períodos quando ocorreu a maior quantidade de gasto público como forma de auxílio financeiro aos mais pobres. No primeiro caso, foi por ideologia e vontade, enquanto no segundo caso, somente ocorreu devido à pandemia, aí Paulo Guedes foi obrigado a gastar, coisa que ele não gosta muito.
Então, enquanto ocorreu gasto público que gerasse emprego ou renda para a população, nunca
ocorreu um momento de déficit fiscal. O déficit veio justamente quando as contas foram ajustadas, ou seja, quando se parou de gastar com emprego e renda no país. E neste momento não existia “risco fiscal”, mesmo com anos de déficit fiscal no governo Temer e começo do governo Bolsonaro, essa palavra só aparecia no relatório do COPOM para justificar o aumento da Selic. Mas estava fora da boca da Faria Lima.
Então, esqueça essa história de risco fiscal. Isso não existe. É só uma forma sofisticada de a Faria Lima, junto à grande mídia, tentar emplacar o programa econômico do perdedor da política ao vencedor das eleições. Mas os brasileiros escolheram na urna, inclusive qual seria o plano econômico para os próximos quatro anos. O mercado financeiro então que aprenda a conviver com a democracia e espere os seus ganhos futuros, que eles virão, já que a economia deve melhorar até 2026. O choro agora vai virar sorriso e, nesse momento, deve ser somente ignorado.
*Deborah Magagna é economista do ICL, graduada pela PUC-SP, com pós-graduação em Finanças Avançadas pelo INSPER. Especialista em investimentos e mercados de capitais
*André Campedelli é economista do ICL e professor de Economia. Doutorado pela Unicamp, mestre e graduado em Ciências Econômicas pela PUC-SP, com trabalhos focados em conjuntura macroeconômica brasileira