Na China, Lula defende uso de moeda alternativa no comércio internacional entre os países do Brics. Desdolarização seria consequência da política de sanções dos EUA

O dólar americano se tornou o padrão do comércio internacional com o Acordo de Bretton Woods,em 1944, em uma conferência que decidiu lastrear a moeda americana ao ouro. E, hoje, o Brics é composto por algumas das maiores economias do mundo
14 de abril de 2023

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em visita à China, defendeu o uso de uma moeda alternativa ao dólar americano no comércio internacional entre os países do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Lula afirmou ainda que os demais países poderiam usar as próprias moedas nas relações comerciais, sem utilizar o dólar, “e os bancos centrais certamente poderiam cuidar disso”. Lula avalia que a união de países emergentes é capaz de gerar mudanças econômicas e sociais relevantes para o mundo.

“Por que não podemos fazer o nosso comércio lastreado na nossa moeda? E por que não temos o compromisso de inovar?”, questionou. “Por que todos os países são obrigados a fazer seu comércio lastreado no dólar? Quem é que decidiu que era o dólar a moeda depois que desapareceu o ouro como paridade?”, insistiu Lula.

“Por que não foi o iene, o real, o peso? (…) Hoje um país precisa correr atrás de dólar pra exportar, quando poderia exportar na própria moeda.” Ele fez o pronunciamento na cerimônia de posse da ex-presidente Dilma Rousseff no Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), na manhã de ontem, no horário de Xangai.

O dólar americano se tornou o padrão do comércio internacional com o Acordo de Bretton Woods, conferência que decidiu lastrear a moeda americana ao ouro. A conferência ocorreu em 1944, um ano antes do fim da Segunda Guerra Mundial. 

De acordo com Ali Ahmadi, pesquisador do Centro de Política de Segurança de Genebra, a razão para descartar o dólar pode ser a política de sanções dos EUA. “Agora, especialmente por causa da política de sanções dos EUA, muitos países estão interessados em encontrar maneiras convenientes e acessíveis de pagar através de outras moedas”, disse Ahmadi à Sputnik.

De acordo com Thomas Hult, professor de Marketing e Negócios Internacionais da Universidade Estadual de Michigan, as causas da desdolarização da economia mundial são atribuídas à incerteza causada pelo conflito na Ucrânia. Desempenham um papel os interesses europeus relacionados à sua moeda e o acordo do Brasil e da China para usar o yuan em transações transfronteiriças.

“Há anos, a China ataca estrategicamente a dolarização do mundo através de seu Banco do Povo e da Parceria Estratégica Global com a Rússia e o Brasil, enquanto abre caminho para a União Europeia com a França, por exemplo, completando seu primeiro acordo de gás natural liquefeito [GNL] usando o yuan”, observou Hult.

A promoção do yuan, que começou há muitos anos, é muito sustentável por causa da política monetária da China, disse Hult.

Por sua parte, o presidente do Fundo de Tecnologias de Informação e Inovação, Robert Atkinson, disse à Sputnik que o domínio do dólar está diminuindo lentamente, e os investidores estão perdendo a fé na capacidade do governo dos EUA de pagar pelo serviço da dívida.

De acordo com Atkinson, a desdolarização da economia mundial terá um efeito misto. “Por um lado, isso reduzirá o poder do governo dos EUA, porque o dólar é uma moeda de reserva – os outros países dependerão menos do dólar. Por outro lado, a desdolarização significaria que o dólar cairia de seu nível artificialmente alto, tornando as exportações dos EUA mais competitivas e reduzindo o atual déficit comercial anual de US$ 1 trilhão [R$ 4,93 trilhões]. Isso é extremamente importante se os EUA quiserem competir efetivamente com a China em muitas indústrias avançadas”, disse ele.

Derek Scissors, pesquisador sênior do American Enterprise Institute, disse à Sputnik que, de acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), a participação do dólar nas reservas cambiais oficiais caiu na última década para 58% no final de 2022, e essa tendência continua. “Levará cerca de 30 anos para cair abaixo de 50%. Não há moeda substituta. O concorrente mais próximo é o euro com 19%, mas a utilização do euro fora da União Europeia é insignificante”, acrescentou.

Scissors apontou que, desde que o yuan começou a se mover contra o dólar em 2010, ele flutuou menos de 10% em qualquer direção de uma média inferior a 6,8%.

Os valores equivalentes para o iene são cerca de 20% em relação ao valor maior e 30% ao menor, e a economia do Japão está estagnada, enquanto a economia da China é dinâmica, acrescentou.

“Isso ocorre porque a China não permite que o yuan deixe o país livremente e, portanto, precisa de um padrão adicional para determinar seu valor. Esse ponto de partida é o dólar, e o yuan é um instrumento de dólar”.

Haddad diz que Brasil não deve assinar adesão à ‘Nova Rota da Seda’ na visita de Lula à China

Lula está em viagem à Ásia para tratar principalmente da relação comercial com a China, maior parceiro de negócios do Brasil, mas também da guerra entre Rússia e Ucrânia e de questões de governança global. Atualmente, de acordo com dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), o Brics é composto por algumas das maiores economias do mundo: China (2º maior atrás dos Estados Unidos), Índia (7º lugar), Brasil (9º lugar), Rússia (11º lugar), África do Sul (37º lugar).

Também na China, em Xangai, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, após dias de especulação de que o Brasil poderia assinar um memorando de adesão ao megaprojeto global de infraestrutura chinês, chamado “Nova Rota da Seda”, informou que não está prevista, durante a visita do presidente Lula à China,  a entrada oficial do Brasil no megaprojeto. 

De acordo com a reportagem publicada no jornal O Globo, Haddad informou que uma lista de possíveis investimentos em infraestrutura está sendo preparado pela Casa Civil, e um dos principais locais de captação será a China. O plano, de acordo com o ministro, é “conciliar crescimento econômico com infraestrutura”. Além disso, uma das metas é atrair mais empresas chinesas para se instalar no Brasil, aproveitando a tendência de “descentralização” da produção industrial do país.

Sobre o plano de Brasil e China ampliarem o volume de transações por meio de moedas locais, evitando o dólar e variações cambiais, Haddad negou que haja um componente geopolítico para o governo brasileiro, que possa levar à inclinação para um dos lados da disputa entre EUA e China.

Na quinta-feira (13), Lula também visitou a sede da gigante de tecnologia Huawei e teve reuniões com executivos das áreas de energia sustentável e comunicações.

No Twitter, o presidente disse que a empresa fez uma apresentação sobre 5G e soluções em telemedicina, educação e conectividade.

Em fevereiro de 2020, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos moveu uma ação judicial acusando a chinesa Huawei e quatro subsidiárias norte-americanas de conspirar para extorquir e roubar segredos comerciais de concorrentes, obtendo vantagens e reduzindo gastos com pesquisa e desenvolvimento.

Uma executiva da empresa foi presa em dezembro de 2018 e, desde então, a Huawei também foi acusada pelo governo norte-americano de ser um “instrumento do governo chinês” e sofre com sanções comerciais que a proíbem de participar na construção da infraestrutura de 5G.

Lula também se reuniu com o CEO da empresa de veículos elétricos BYD, Wang Chuanfu. A empresa produz ônibus elétricos e está negociando uma fábrica de automóveis elétricos na Bahia, em Camaçari.

Redação ICL Economia
Com informações da Sputinik. e do jornal O Globo

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