Artigo de Deborah Magagna e André Campedelli *
Com o avanço dos estudos que a equipe de transição tem realizado sobre o orçamento público do próximo ano e as notícias sobre falta de recursos para serviços públicos nestes últimos dias, começamos a ver qual é o resultado do governo Bolsonaro. Agora fica evidente qual foi a estratégia traçada pelo governo, de gastar todos os recursos possíveis destinados a este ano antes de outubro, na tentativa de ganhar a eleição, e deixar o caos operar nos últimos meses, para quem fosse o vencedor.
Até agora já foi revelado que não existem recursos disponíveis em volume necessário para suprir elementos básicos da vida pública, como o programa farmácia popular, a continuidade de obras ainda em andamento, a merenda das crianças em fase escolar e até mesmo para levar água para as regiões que mais sofrem com as secas no Nordeste. Nem as promessas de campanha poderiam ser cumpridas, pois o Auxílio Brasil estava orçado para ser de somente R$ 400 reais, mesmo com a promessa de que ele se manteria em R$ 600 no próximo ano.
O funcionamento básico do país estava em risco com o orçamento desenhado para o país no próximo ano. E tudo isso para manter o teto de gastos ao mesmo tempo que o orçamento secreto se mantinha intocado. Seria inviável para o próximo governo conseguir funcionar nas suas funções mais básicas no próximo ano, mesmo que fosse Bolsonaro, mas talvez o próprio ex-presidente em exercício no cargo estivesse apostando nisso, no caos social.
A situação só piora quando observamos a situação do serviço público para o final deste ano. Diversos serviços chegaram à beira do colapso agora no mês de dezembro. Caso o TCU não tivesse autorizado créditos suplementares (que por tanto tempo foram chamadas de pedaladas fiscais), haveria interrupção do funcionamento das agências do INSS.
As universidades públicas federais ainda estão neste risco, pois não foram destinados ainda recursos extraordinários para ela, que estão funcionando agora de forma completamente precarizada nestes últimos dias do ano.
E temos também a situação dos cientistas do nosso país. Os bolsistas de pós-graduação, que tiveram risco de não ver sua bolsa paga no mês de dezembro, só conseguiram os recursos um dia depois da data que era para ser paga a parcela do mês. Sem esse dinheiro, os bolsistas não poderiam pagar suas contas básicas, como aluguel, alimentação, transportes. A bolsa é o salário do cientista do Brasil, e isso significaria deixar em situação complicada mais de 100 mil alunos de pós-graduação no país.
O bolsista aqui no país tem uma situação completamente diferente de um trabalhador normal. Primeiro que ele não pode receber um salário ou ter um emprego via CLT enquanto realiza seu estudo no mestrado ou doutorado, caso contrário, não tem acesso a bolsa. A bolsa também não dá direitos trabalhistas aos cientistas, como direito a férias e décimo-terceiro. Nem mesmo recolhimento de contribuição social ocorre. Então já é um trabalho bastante precarizado. Além disso, as bolsas não são reajustadas desde 2013, ou seja, quase 10 anos com perda real de poder de compra.
Mas parece que nada disso é o suficiente para sensibilizar nosso querido mercado, que mesmo vendo o caos social que o país entrou graças às irresponsabilidades de Bolsonaro e Guedes, continuam reclamando sobre a PEC que funciona só para garantir o funcionamento básico do governo para 2023.
O mercado não ficou preocupado com os médicos e cientistas sem remuneração, nem com as agências do INSS na iminência de serem fechadas, nem com as pessoas sem água na seca do Nordeste. O mercado só se preocupa com a “saúde fiscal” do país. O resultado do governo Bolsonaro é o completo caos. Seria inviável um governo funcional no próximo ano e o mês de dezembro já seria uma bela prévia do que estaria nos esperando pelos próximos quatro anos. Um desmonte completo do serviço público e um caos completo para as pessoas deste país. Felizmente não teremos esse desprazer, mas o legado negativo fica e será um trabalho árduo para conseguir consertar esse estrago.
*Deborah Magagna é economista do ICL, graduada pela PUC-SP, com pós-graduação em Finanças Avançadas pelo INSPER. Especialista em investimentos e mercados de capitais
*André Campedelli é economista do ICL e professor de Economia. Doutorado pela Unicamp, mestre e graduado em Ciências Econômicas pela PUC-SP, com trabalhos focados em conjuntura macroeconômica brasileira