O setor elétrico brasileiro está carente de soluções técnicas para enfrentar os desafios da transição energética. Especialmente em relação às crescentes incertezas sobre os efeitos das mudanças climáticas. A constatação é do Tribunal de Contas da União (TCU), após auditoria sobre a sistemática de planejamento da operação. A avaliação incluiu governança, modelos matemáticos e computacionais, além de estudos dos impactos na segurança de abastecimento e no custo da energia elétrica. O objetivo era buscar respostas para as seguintes questões:
- A governança do processo de planejamento e operação eletroenergética do Sistema Interligado Nacional (SIN) está bem estabelecida, com indicação de competências, indicadores, metas e sistemática de avaliação, com transparência e responsabilidade?
- Os modelos computacionais e os dados utilizados no planejamento da operação são adequados e devidamente atualizados?
- O processo decisório para geração fora da ordem do mérito (GFOM) para garantia da segurança energética é transparente? (A sigla se refere à ligação de usinas termelétricas fora da programação).
- O planejamento da operação garante a otimização da operação e segurança de suprimento do sistema?
Os auditores do TCU identificaram fragilidades em todo o sistema elétrico, conforme apontam em relatório divulgado neste mês. A começar pela falta de indicadores e metas relacionados aos objetivos da operação, bem como ao planejamento e efetivação da operação. Ou seja, que demonstrem que os objetivos estabelecidos foram alcançados. Segundo os agentes do TCU, isso é possível por meio de modelos computacionais e análise da variação entre o custo da operação previsto e o realizado.
Os auditores do TCU detectaram também que não há auditorias periódicas de sistemas e de procedimentos técnicos utilizados no planejamento operacional, como manda a legislação. E que em vez disso há apenas fiscalização parcial, que avalia os dados de entradas dos modelos computacionais.
Tribunal deu 180 dias para Aneel elaborar plano
Outro problema de cunho técnico identificado: diversas limitações no aprimoramento dos modelos computacionais, falta de clareza e transparência das deliberações para geração fora da ordem do mérito (GFOM). Ou seja, a ligação de usinas termelétricas que, conforme o planejamento do Operador Nacional do Sistema (ONS), entra em funcionamento sem estar programada para gerar energia elétrica.
Em razão desses desacordos, o TCU deu 180 dias para a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) elaborar plano de ação com vistas à utilização de indicadores e metas relacionados com os objetivos do planejamento da operação eletroenergética. E também regulamentar a realização de auditorias dos sistemas e dos procedimentos técnicos do ONS.
Para os auditores do TCU, não há um plano de ação para que “os assuntos sejam tratados com mais assertividade”. E por isso seriam necessárias ações mais focadas para avaliar consequências e estruturar respostas para lidar com os problemas possivelmente inevitáveis advindos da transição energética. Tais estudos, segundo eles, precisam ser fomentados, coordenados e estruturados, seguindo um plano articulado. Isso inclui ações, prazos responsáveis, risco e fatores para adaptar a operação, e sua segurança, aos efeitos da transição energética e das mudanças climáticas. Além de minimizar os impactos no custo de operação.
Planejamento para a transição
Segundo o TCU, em tempos de transição energética é preciso planejamento até para a expansão e a operação do sistema, que passa a ter de lidar com:
- Diversificação das fontes de energia
- “Descarbonificação” da geração em usinas termelétricas a carvão
- Aumento da intermitência da geração, devido à entrada de energia de energia solar na rede
- Mudanças nos hábitos de consumo
- Digitalização das redes
- Desconcentração da geração
“Nessa premissa, tanto no planejamento da operação, como nos aprimoramentos dos softwares de otimização energética, não há solução pronta para a calibragem desses novos modelos a essas novas condições, de sorte que as diversas instituições públicas e privadas envolvidas no assunto vêm buscando soluções”, diz trecho do relatório de auditoria.
Por isso, o tribunal recomendou que o Ministério de Minas e Energia coordene a elaboração de estudos sobre as consequências esperadas no planejamento e na operação eletroenergética. E também estabeleça as estratégias para adaptação em decorrência da transição energética e das mudanças climáticas. Isso com a elaboração de um plano de ação para estruturar ações concretas para reduzir os impactos na segurança e no custo de operação.
“Se já era reconhecidamente provocadora a tarefa de planejar a expansão e a operação, para o futuro, tais decisões parecem ser ainda mais tormentosas. Na realidade, esse quadro é razoavelmente conhecido e discutido no setor, no governo, na academia e demais fóruns que discutem o futuro da energia. Em outra mão, ainda que conhecida a amplificação dessas incertezas, o pior cenário seria assumir uma absoluta incapacidade de estudar e modelar o fenômeno”, afirma o TCU.