Petróleo e herança inflacionária estão entre as justificativas de Campos Neto para estouro da meta da inflação

Para o economista do ICL, André Campedelli, a política liberal adotada pelo presidente do BC mostrou-se fracassada. "Ter dois anos de insucesso no controle inflacionário mostra a limitação atual do Banco Central em controlar a inflação de maneira diferente da usual, que é aumentando a Selic", apontou
11 de janeiro de 2023

A herança inflacionária e a alta do petróleo foram alguns dos principais responsáveis pelo estouro da meta da inflação em 2022, conforme carta divulgada pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, ontem (10). A inflação medida pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), também divulgada ontem, encerrou o ano passado com alta de 5,79%, portanto, acima da meta de 3,5% com teto de 5%.

Somente em dezembro, o aumento foi de 0,62%, puxado pelos preços dos alimentos comprados pelas famílias brasileiras em casa. De modo geral, 2022 foi um ano muito difícil para os mais pobres, que gastam boa parte da renda para comprar comida. Com o resultado do IPCA, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), foi a quarta vez consecutiva que a inflação ficou acima da meta definida pelo Conselho Monetário Nacional.

De acordo com o comunicado do presidente da autoridade monetária brasileira, ao todo foram cinco os principais fatores para o não cumprimento da meta. Além da inflação herdada do ano anterior e os preços das commodities, com destaque para o petróleo, fenômenos globais e a retomada na demanda de serviços e no emprego após a reabertura da economia também estão entre as causas.

O petróleo, em especial, teve seus preços influenciados pela guerra da Rússia contra a Ucrânia. Mas, além disso, o conflito também gerou desequilíbrios entre demanda e oferta de insumos, gargalos nas cadeias produtivas globais e choques em preços de alimentação, resultantes de questões climáticas. “A elevação significativa da inflação em 2021 e 2022 para níveis superiores às metas foi um fenômeno global, atingindo a maioria dos países emergentes”, justificou.

Ao lado do cenário externo desfavorável, houve desajustes no cenário interno. O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) desonerou os combustíveis no ano passado visando ganhar as eleições, o que forçou artificialmente a queda nos preços e, consequentemente, a inflação. A propósito, Campos Neto abordou esse tema, ainda que discretamente, em um evento do qual participou em setembro do ano passado. “Tem uma outra melhora que vem acompanhada disso (medidas do governo), mas a gente entende que ainda tem um elemento de preocupação grande e a mensagem é que precisamos combater esse processo de inflação. Muito provavelmente vamos passar por três meses de deflação, mas a batalha não está ganha”, disse ele, à época.

Na carta endereçada ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o presidente do BC disse que a taxa de câmbio se depreciou no fim do ano em relação aos pares, “refletindo, em parte, incertezas envolvendo as políticas fiscal e parafiscal e seus respectivos arranjos institucionais”, em uma referência, ainda que indireta, às políticas eleitoreiras de Bolsonaro.

Campos Neto ainda citou o comportamento da bandeira de energia elétrica, que passou de escassez hídrica para bandeira verde, a apreciação cambial e o hiato do produto no campo negativo.

Na opinião do economista do ICL André Campedelli, a carta de Campos Neto “aponta para uma inflação de oferta como causa da inflação, ao mesmo tempo que evidencia a falta de mecanismos alternativos para o controle inflacionário além da taxa Selic”.

Além disso, segundo o economista, mesmo apontando para problemas fiscais, “o grande responsável pelo cenário de alta de preços foi o cenário internacional e, mesmo assim, a autoridade monetária insistiu no aumento de juros, que tem pouca eficácia para o controle dessas fontes inflacionárias”.

“Para um governo que se propõe a ser liberal, ter dois anos de insucesso no controle inflacionário mostra a limitação atual do Banco Central em controlar a inflação de maneira diferente da usual, que é aumentando a Selic para reduzir o ritmo de atividade econômica”, criticou o analista.

Presidente do BC prevê que, diante de um cenário desfavorável, estouro da meta da inflação deve ocorrer este ano também

Em sua carta, o presidente do BC também destacou que a conjuntura azedou as expectativas dos agentes do mercado financeiro em relação à inflação. Tanto que, no último Boletim Focus, divulgado na segunda-feira passada (9), as 100 instituições ouvidas para a publicação elevaram as projeções do IPCA para 2023, 2024 e 2025.

Apesar disso, Campos Neto avalia que a inflação caminha para patamar inferior ao do ano passado. “O cenário é de convergência da inflação para as suas metas”, afirmou. O relatório de dezembro do BC prevê inflação de 5% ao fim deste ano, percentual acima da meta de 3,25%.

“Nesse cenário, em 2023, a inflação ainda se mantém superior à meta, em virtude principalmente da hipótese do retorno da tributação federal sobre combustíveis neste ano e dos efeitos inerciais da inflação de 2022”, disse, complementando: “Esses efeitos são contrabalançados pela política monetária, embora não de forma integral, em virtude das diferenças temporais entre os impactos dos choques, de prazo mais curto, e os efeitos da política monetária, mais concentrados no médio prazo”, acrescentou.

Ele ainda sinalizou que o aperto monetário deve continuar neste ano para assegurar o controle da inflação. Hoje, a taxa básica de juros (Selic) está em 13,75% ao ano. A expectativa, no entanto, é que o ritmo do aperto diminua.

A carta escrita por Campos Neto é a sétima desde a criação do sistema de metas para a inflação, em 1999, e a segunda de autoria do atual presidente do BC. Antes dele, apenas Henrique Meirelles havia sido o único presidente do BC a ter escrito duas cartas ao longo de seu mandato (janeiro de 2003 a dezembro de 2010).

Redação ICL Economia
Com informações das agências de notícias

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