A privatização da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) foi concluída ontem (23) com o governador bolsonarista Tarcísio de Freitas (Republicanos) dizendo que “fez história”, enquanto o processo tem sido alvo de críticas pelo fato de a empresa lucrativa ter sido vendida a preço de banana.
Com a desestatização, que teve a Equatorial como única única interessada em se tornar acionista de referência, o governo estadual perdeu R$ 4,5 bilhões no processo. A empresa ofereceu R$ 67 por ação, valor cerca de 20% inferior ao preço do papel da companhia atualmente, que encerrou a sessão de terça-feira (23/7) no patamar de R$ 88.
O deputado federal e pré-candidato à Prefeitura de São Paulo pelo PSOL, Guilherme Boulos, criticou o valor que o governo estadual conseguiu pelas ações vendidas da companhia de saneamento.
“Um nada, se lembrarmos que a Sabesp deu lucro de R$ 3,5 bilhões só no ano passado e tinha um plano de investimentos de R$ 47,4 bilhões para o quadriênio de 2024-2028”, disse no X (antigo Twitter). Ele também criticou a atuação da Equatorial na gestão do saneamento de Macapá, no Amapá.
“Concluiu-se hoje um desastre promovido por Tarcísio de Freitas”, escreveu também no X a deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP). Ela lembrou o fato de a presidente do conselho da Sabesp ter deixado um cargo no conselho da Equatorial há poucos meses.
O jurista Pedro Serrano afirmou ontem que a “privatização da Sabesp foi uma tragédia para o interesse público”. De acordo com o estudioso, “o encantamento ideológico” da mídia tradicional brasileira “está levando a uma cegueira quanto a um negócio extremamente duvidoso no plano da economicidade e moralidade públicas”.
“Valor abaixo do de mercado, privado assumindo de fato a gerência de uma imensa empresa adquirindo apenas 15% das ações e sem experiência na área, apenas 1% de desconto nas tarifas residenciais, ilegalidades várias etc”.
O economista e fundador do ICL (Instituto Conhecimento Liberta), Eduardo Moreira, também é um crítico da privatização, ao qual se referiu como um processo “100% político”, para ajudar a eleger o governador, que é um possível candidato à Presidência nas eleições de 2026.
Tarcísio de Freitas justifica entrega da Sabesp sem concorrência pelo tamanho do cheque
Ao site UOL, o governador de São Paulo disse que a privatização da Sabesp só atraiu um investidor de referência, entre outros fatores, por causa do “tamanho do cheque”.
“Alguns candidatos tiveram dificuldade com o tamanho do cheque. Foi a maior ordem individual da história do Brasil”, afirmou Freitas.
De acordo com o governador, “a Sabesp agora é privada, mas o Estado continua lá dentro. Isso vai facilitar a obtenção de licenças e também a não elevar as tarifas”. “Com muito investimento, a tarifa cresce. O Estado vai funcionar com um amortecedor da tarifa”, disse Tarcísio.
Porém, os críticos à privatização apontam que empresas líderes em saneamento privado no país hoje enfrentam questionamentos sobre as tarifas praticadas após a concessões de prestação de serviços de água e esgoto.
A Aegea, maior vencedora dos leilões de saneamento básico realizados no país nos últimos anos, enfrenta embates sobre as tarifas e os serviços prestados.
Em Campo Grande, a questão foi parar na Justiça. Em Manaus, uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) aberta para investigar a qualidade dos serviços culminou num acordo para reduzir tarifas. A empresa, aliás, era apontada como uma das potenciais concorrentes pela Sabesp, mas acabou não apresentando proposta.
Sobre o assunto, o governo Tarcísio de Freitas já afirmou que haveria “um aumento menor” da tarifa após a privatização. “A tarifa vai subir, mas a privatização garante que ela vai subir num valor menor”, disse no fim do ano passado.
Com a privatização, no entanto, passou a valer uma tarifa reduzida. Inicialmente, o valor vai ficar 10% mais barato para as tarifas social e vulnerável (que englobam 1,3 milhão de pessoas), 1% mais baixo para a residencial e 0,5% para as demais categorias. Há dúvidas, porém, sobre uma possível mudança nos valores no futuro.
Marco do Saneamento
A privatização de estatais de saneamento ganhou força com a aprovação, há quatro anos, do Marco do Saneamento, que busca elevar investimentos privados no setor e definiu a meta de levar água encanada a 99% da população e coleta de esgoto a 90% até 2033.
Um dos argumentos a favor do marco é atrair recursos para construir redes de esgoto nas regiões mais negligenciadas, que sofrem com as doenças associadas à falta de saneamento básico.
Mas esse não é o caso da Sabesp, o que fez da sua privatização um caso particular. A empresa tem ações negociadas em bolsa desde 1997, e em 2023 registrou lucro líquido de R$ 3,5 bilhões. Na sua área de cobertura, 98% da população tem abastecimento de água e 93%, coleta de esgoto.
A companhia ainda desfruta de boa imagem entre os paulistas: uma pesquisa realizada em abril pela Quaest apontou que 52% deles eram contra a privatização, e 36%, a favor.
Serviços de saneamento privatizados na Europa estão sendo revertidos, devido à precarização e o aumento das tarifas. Aconteceu em países como França e Alemanha.
Um dilema dentro disso é que empresas privadas podem ter mais recursos para investir e incentivos para ampliar a eficiência, mas o objetivo maior sempre será o lucro, como ressaltou o economista Eduardo Moreira ao comentar o caso da Sabesp.
Paulo Furquim de Azevedo, professor e coordenador do Centro de Regulação e Democracia do Insper, conduziu pesquisas que encontraram efeitos positivos da atuação de empresas privadas, devido a investimentos novos e à ampliação da rede de esgoto – hoje ausente em quase 40% dos domicílios do Brasil. Porém, ele avaliou que o caso da Sabesp é diferente.
“Não espero que a privatização da Sabesp terá os efeitos que verificamos na média dos municípios. Não significa que vai piorar. O ponto é que ela já tinha um serviço de saneamento muito bom, então a oportunidade de ganho de uma concessão privada já se esgotou”, disse. “A empresa pública já era capaz de fazer investimentos e era bem gerida, com capacidade de fazer captações de recursos.”
Redação ICL Economia
Com informações da Folha de S.Paulo e UOL