Reportagem publicada na Folha de S Paulo conta a estratégia usada pela quilombola Marlene Mateus de Sousa, 52, que comprou uma ação da Vale, por R$ 79,90, para ter direito a participar da reunião de acionistas sobre o projeto Serra da Serpentina. Como portadora da ação, ela teve direito de falar em assembleia online na sexta-feira (28) para protestar contra uma iniciativa da empresa e denunciar o que ela considera como violações do projeto Serra da Serpentina, em Minas Gerais.
O projeto Serra da Serpentina prevê a instalação de cavas, uma usina e um mineroduto de 115 km, ligando os municípios de Conceição do Mato Dentro e Nova Era, além de pilhas de rejeitos. A iniciativa, para extração e transporte de minério de ferro, está em processo de licenciamento.
Os habitantes de Brumadinho, em Minas Gerais, onde ocorreu o rompimento da barragem da Vale há 4 anos, ainda sofrem com problemas relacionados à contaminação do solo, do ar e da água da Bacia do Rio Paraopeba. Ao mesmo tempo, a Vale nega aos atingidos a participação nos debates sobre as ações de reparação.
Marlene Mateus de Sousa é coordenadora da Comissão das Comunidades Quilombolas do Alto e Médio Rio Doce, que representa mais de 40 comunidades tradicionais, entre quilombolas e indígenas. Uma das principais reclamações dos moradores é que o novo projeto na Serra da Serpentina, desenvolvido pela mineradora, contraria a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), que determina que comunidades tradicionais afetadas sejam previamente consultadas.
“Como mulher preta quilombola e coordenadora da comissão, trabalho para que o rio Doce e seus afluentes não sejam palco de mais um crime. Vimos como foi devastadora a tragédia em Mariana para as comunidades”, afirmou Marlene para a reportagem da Folha de S Paulo. “Para os povos tradicionais, ela ressalta, o rio “é uma divindade”. “Não se trata só de uma terra, mas de um território sagrado”.
Quilombolas temem que o empreendimento da Vale cause danos ambientais na Serra da Serpentina
Além da reclamação sobre não terem sido consultados em relação aos impactos do projeto na Serra da Serpentina, os quilombolas temem que o empreendimento cause danos ambientais na região. Segundo eles, o mineroduto, por exemplo, está previsto para passar dentro do território de algumas comunidades.
Outras preocupações são a poluição dos rios da região, o barulho, o desmatamento e a chegada de um grande volume de trabalhadores de outros locais.
Ao todo, a estimativa é que sejam atingidos 51 quilombos em 11 cidades mineiras. Entre os municípios estão: Antônio Dias, Carmésia, Conceição do Mato Dentro, Dom Joaquim, Itambé do Mato Dentro, Morro do Pilar, Nova Era, Passabém, Santa Maria de Itabira, Santo Antônio do Rio Abaixo e São Sebastião do Rio Preto.
A Vale afirmou para a reportagem da Folha de S Paulo que, “com a oportunidade de escuta ampla e ativa, considerando interlocutores da empresa”, o projeto Serra da Serpentina está em revisão.
No texto publicado, a Vale afirmou que o projeto está sendo revisado e novo EIA [Estudo de Impacto Ambiental] será protocolado tão logo os estudos atualmente em andamento sejam finalizados. Ainda avisou que “aguarda emissão da autorização de manejo de fauna terrestre e aquática pelo órgão ambiental para finalizar os levantamentos para o EIA do novo projeto”.
Segundo o governo do estado de Minas Gerais, a avaliação do órgão estadual responsável ainda está em curso, em fase inicial de análise. O pedido de licenciamento foi formalizado em setembro do ano passado.
“Todos os impactos ambientais bem como as propostas de medidas de controle e mitigação, inclusive no que se refere aos impactos socioeconômicos, serão avaliados no curso do processo”, diz, em nota para a reportagem da Folha de S Paulo.
Ainda de acordo com a gestão Romeu Zema (Novo), não há qualquer ato administrativo que ateste a viabilidade do empreendimento, a instalação ou operação da atividade até o momento.
A Comissão de Comunidades Tradicionais decidiu também entrar na Justiça com uma ação contra a Vale e o estado de Minas Gerais para a suspensão do projeto Serra da Serpentina.
Para Matheus Leite, advogado dos quilombolas, a mineradora mente ao afirmar que as operações não vão causar impactos nas comunidades. “É desmentida por seu próprio EIA-Rima”, opina.
O estudo da mineradora encaminhado aos órgãos licenciadores, diz o advogado, está em grande parte baseado em dados secundários, porque a empresa não enviou equipes para fazer o levantamento das informações in loco nas comunidades.
Redação ICL Economia
Com informações da Folha de S Paulo