Privatizada no último mês do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), a antiga Refinaria Isaac Sabbá (Reman), de Manaus (AM), vende hoje o gás de cozinha mais caro do Brasil. Segundo estudo do Observatório Social do Petróleo (OSP), o botijão vendido lá é 37% mais caro que o das refinarias controladas pela Petrobras.
A Reman foi transferida no dia 1º de dezembro para a empresa Atem’s Distribuidora, que faz parte de um grupo empresarial amazonense. O negócio envolveu 257,2 milhões de dólares –cerca de R$ 1,3 bilhão– e contrariou pedido expresso do governo de transição composto por indicados pelo novo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Logo que assumiu a antiga Reman, a Atem alterou seu nome para Refinaria da Amazônia (Ream). Um dia depois, aumentou o preço do gás em cerca de 10%. Depois, subiu outros 6%, enquanto a Petrobras reduziu.
O aumento na refinaria acabou sendo repassado por distribuidoras aos consumidores de Manaus e região. Dados da Agência Nacional do Petróleo (ANP), apontam que, antes da privatização, um botijão de 13kg custava menos de R$ 113 no Amazonas, em média. No início de fevereiro, o botijão superava os R$ 123 –alta de quase 9%.
A Ream fornece gás para os estados do Amazonas, Pará, Amapá, Rondônia, Acre e Roraima. De acordo com a ANP, o consumidor de Roraima é o que paga mais caro pelo botijão: R$ 129,03. Rondônia é o terceiro estado com botijão mais caro: R$ 124,02. Já o Amazonas é o quarto: R$ 123,63.
Segundo o estudo do OSP, antes da privatização, a refinaria amazonense vendia o gás liquefeito de petróleo (GLP) a preços 0,8% mais baixos do que o das outras refinarias estatais. Já entre dezembro a janeiro, o preço ficou, em média, 29,5% mais caro que o da Petrobras.
Marcus Ribeiro, presidente do Sindicato dos Petroleiros do Amazonas (Sindipetro-AM), lembrou que a Petrobras é uma empresa estatal que atua de forma integrada em todo país. Fornecia combustíveis à região Norte a preços compatíveis com os da média nacional pois tinha estrutura para isso e dever público de fazê-lo.
Com a Atem no comando da Ream, isso mudou.
“O grupo Atem está colocando nos preços dos combustíveis todo o custo operacional com logística [para transporte do petróleo e derivados]. Isso vai cada vez mais encarecer os produtos”, reclamou Ribeiro. “Já encareceu o gás cozinha e vai encarecer também a gasolina e o diesel. Isso vai impactar diretamente a população”.
Privatização de refinaria
Algo parecido já havia ocorrido em 2022, após a privatização da Refinaria Landulpho Alves (Rlam), na Bahia, no final de 2021. Após a venda da Rlam da Petrobras para a Acelen, ela passou a se chamar Refinaria de Mataripe. Já a Bahia passou a ter um dos combustíveis mais caros do país por conta de aumentos implementados pela nova gestão.
Eric Gil Dantas, economista do OSP, afirmou que, na Bahia, a Acelen passou a ter um monopólio regional do fornecimento de combustíveis após comprar a antiga Rlam. Por isso, aumentou os preços por lá.
Ele ressaltou que, no Amazonas, a situação tende a ser ainda pior. Isso porque o estado está geograficamente mais isolado e a Atem, além da refinadora, é dona de uma rede de distribuição e venda de combustíveis.
“A privatização da Reman é ainda mais complicada”, reforçou. “Ela tem o monopólio regional e também da estrutura de recebimento da importação de combustíveis, que fica na refinaria. Por isso, os preços lá são mais altos que na Bahia.”
Segundo o OSP, no caso do gás, o preço da Ream é 14% maior do que a da Refinaria de Mataripe. De dezembro a janeiro, ele ficou 10% mais caro.
A Atem declarou que o reajuste do gás ocorreu para suprir os custos na aquisição do produto junto à base da Petrobras, em Urucu, município de Coari (a 370 km de Manaus).
Segundo a empresa, ela agora é a responsável por arcar com os custos da operação com terminal aquaviário e transporte de navio para receber o gás da Petrobras e revendê-lo em Manaus, o que afeta o preço do produto.
“A Ream reafirma seu compromisso de seguir uma política transparente em sua estratégia de preços, amparada por critérios técnicos e sempre dentro das normas do mercado”, acrescentou a Atem, em nota.
A Petrobras informou que o processo de venda da Reman foi lançado em junho de 2019. “Todo o processo levou mais de três anos para ser concluído e seguiu rigorosamente a Sistemática de Desinvestimentos da companhia, tendo sido aprovado em todas as instâncias da governança corporativa da Petrobras”, acrescentou.
A estatal destacou ainda que a venda integra o compromisso firmado durante o governo Bolsonaro pela Petrobras com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para a abertura do setor de refino no Brasil.