Vale destinou R$ 73,5 bi para evitar queda de ações, mas não indenizou totalmente vítimas de Brumadinho

O economista e fundador do ICL, Eduardo Moreira, explicou como funciona o mecanismo de recompra de ações.
29 de abril de 2024

Representantes da Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale do Rio Doce vão questionar as indenizações pagas pela empresa pelo rompimento da barragem em Brumadinho, Minas Gerais. Na última sexta-feira (26), eles se manifestariam nesse sentido durante assembleia geral.

Segundo a entidade, de 2021 a 2023, a empresa gastou R$ 73,5 bilhões para beneficiar seus acionistas com a recompra de ações, numa manobra para recompor o valor das ações em queda na Bolsa.

A entidade afirma que o montante é quase o dobro do valor total determinado pela Justiça para indenizar as famílias afetadas pela tragédia e para recuperar o meio ambiente.

Desde janeiro de 2019, quando uma barragem da empresa em Brumadinho se rompeu causando a morte de 272 pessoas, até janeiro deste ano, o lucro da Vale chegou a quase US$ 48 bilhões, cerca de R$ 245 bilhões na cotação da moeda norte-americana de hoje.

O economista e fundador do ICL (Instituto Conhecimento Liberta), Eduardo Moreira, explicou, no ICL Notícias 1ª edição da sexta-feira passada, como funciona esse mecanismo.

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O economista Eduardo Moreira. Reprodução ICL Notícias 1ª edição

“Uma das maneiras que você tem de concentrar capital é isso que as empresas fazem, que é a recompra de ações. Você monta uma empresa, vende ações dessa empresa na Bolsa [de Valores] para um monte de investidor pequenininho te dar dinheiro para você poder fazer as suas atividades. Mas esses investidores pequeninhos não são os controladores da empresa: você que é o dono, o herdeiro, o ‘ricão’. Você é o controlador da empresa”, disse.

Segundo ele, o controlador usa o dinheiro dos pequenos investidores para investir e fazer a empresa crescer. Depois, quando a empresa cresce bastante e, como consequência, aumenta o caixa, você usa o dinheiro para investir na empresa e, com o lucro gerado, paga dividendos aos acionistas, incluindo o controlador.

“Toda empresa privada usa esse artifício da recompra de ações como um instrumento para poder acumular cada vez mais capital e cada vez mais privilegiar os sócios”, explicou Moreira, que trabalhou cerca de duas décadas no mercado financeiro.

Vale: acordo judicial de reparação da tragédia de Brumadinho foi calculado em R$ 37 bilhões, mas falta pagar pouco mais de R$ 11 bilhões

O acordo judicial de reparação da tragédia de Brumadinho foi calculado em R$ 37 bilhões. Deste total, foram executados, até agora, R$ 26,4 bilhões, o que equivale a 68% do acordo. Faltam ainda R$ 11,13 bilhões.

Os acionistas críticos apontam outras questões pendentes em relação à região de Brumadinho, onde está localizado o Quadrilátero Ferrífero-Aquífero (QFA).

Na área, estão instaladas seis barragens de rejeito ao nível de emergência e 18 em condição de estabilidade negativa. Eles reclamam da falta de transparência em relação ao risco de contaminação das águas subterrâneas que abastecem as comunidades de Tejuco, Córrego do Feijão e a cidade vizinha, Mário Campos, onde vivem ao todo cerca de 5 milhões de pessoas.

“As comunidades e outras partes interessadas estão se manifestando sobre os contínuos impactos sociais e ambientais da Vale, destacando as contradições entre a narrativa criada pela empresa para os investidores e a realidade no local. Os investidores devem ir além dos relatórios da Vale para ter uma visão completa, e devem tomar medidas para responsabilizar a empresa pelos danos passados e atuais”, disse Fernanda Martins, secretária-executiva da Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale.

Na assembleia, os acionistas críticos questionariam, no documento do voto, a pergunta que fazem para a empresa desde 2020 sobre o plano de fechamento do Complexo Paraopeba.

“A Vale pretende ainda voltar a operar em Brumadinho, no mesmo lugar da tragédia, mesmo depois de tudo o que aconteceu?”, apontaram.

Acidentes

Outra questão levantada pelos acionistas diz respeito aos acidentes. Segundo a Vale, 105 pessoas das comunidades afetadas por operações da empresa sofreram acidentes no ano passado, que resultaram em 11 mortes.

A empresa informa que os índices cresceram 18% de 2022 para 2023, considerando lesões fatais e não fatais.

No entanto, a empresa não aponta no relatório o modo como são feitas essas apurações, quais medidas para evitar acidentes e de que modo a empresa tem reportado os casos para as agências reguladoras, como à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).

Do ICL Notícias

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