A partir desta terça-feira (21), os nove membros da diretoria do Banco Central (BC) que integram o Comitê de Política Monetária (Copom) se reúnem mais uma vez para decidir a taxa básica de juros da economia nacional, a chamada Selic. Hoje, ela está em 13,75% ao ano. É a maior taxa básica de juros real do mundo – percentual dos juros menos a inflação.
Esta será a segunda vez que a Selic entrará em debate desde que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tomou posse, em 1º de janeiro. Ele tem criticado publicamente o nível da Selic pois, segundo ele, taxa altas de juros prejudicam a retomada no crescimento do país.
Seu governo, aliás, convive hoje com um cenário que era inédito na história do país: pela primeira vez, um presidente não tem diretores do BC por ele indicados decidindo sobre a Selic. Mais do que isso: pela primeira vez, um presidente eleito vê esses membros do Copom indicados por um opositor declarado – no caso, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) – decidindo sobre juros em seu governo.
“É a primeira vez que temos um BC autônomo. É a primeira vez que vemos esse conflito”, ressaltou Fábio Faiad, presidente do Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central (Sinal), que acompanha as movimentações do governo sobre eventuais trocas no Copom.
Durante seus quatro anos de mandato, Lula poderá indicar até quatro diretores do BC. Não pode mais indicar todos porque o próprio Bolsonaro sancionou uma lei que deu autonomia ao BC, concedendo mandatos de até quatro anos a seus diretores e seu presidente.
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Hoje, dos nove membros do Copom, cinco – incluindo o presidente Roberto Campos Neto – foram escolhidos por Bolsonaro; três, por Michel Temer (MDB); e um foi indicado por Dilma Rousseff (PT).
Quem são os membros do Copom?
Roberto Campos Neto
Presidente do BC
De 28/02/2019 (indicado por Bolsonaro) a 31/12/2024
Formado e pós-graduado nos Estados Unidos. Ex-operador de Bolsa de Valores e ex-executivo de bancos, como Santander e Bozano Simonsen.
Bruno Serra Fernandes
Diretor de Política Monetária
De 28/02/2019 (indicado por Bolsonaro) a 28/2/2023 (segue no cargo)
Formado no IBMEC do Rio e mestre pela Universidade de São Paulo (USP). Ex-vice-presidente do banco Itaú e ex-estrategista do BankBoston.
Carolina de Assis Barros
Diretora de Administração
De 27/4/2018 (indicada por Temer) a 31/12/2024
Formada pelo Centro Universitário UNA, de Belo Horizonte, e mestra pela Universidade de York, no Reino Unido. Servidora de carreira do BC.
Diogo Abry Guillen
Diretor de Política Econômica
De 26/4/2022 (indicado por Bolsonaro) a 31/12/2025
Graduado e pós-graduado pela PUC-Rio. Doutor pela Princeton, dos EUA. Foi professor e economista-chefe do Itaú Asset Management.
Fernanda Guardado
Diretora de Assuntos Internacionais e Gestão de Riscos
De 27/7/2021 (indicada por Bolsonaro) a 31/12/2023
Graduada, mestre e doutora pela PUC-Rio. Ex-economista de diferentes bancos de investimento.
Maurício Costa de Moura
Diretor de Relacionamento, Cidadania e Supervisão de Conduta
De 26/4/2018 (indicado por Temer) a 31/12/2023
Graduado pela Universidade da Amazônia (Unama) e mestre pela USP. É servidor do BC.
Otávio Ribeiro Damaso
Diretor de Regulação
De 27/4/2015 (indicado por Dilma) a 31/12/2024
Graduado e pós-graduado pela Universidade de Brasília (UnB). Ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e ex-assessor do governo. É servidor de carreira do BC.
Paulo Souza
Diretor de Fiscalização
De 19/9/2017 (indicado por Temer) a 28/2/2023 (segue no cargo)
Graduado pela PUC-SP e pós-graduado pela Fipecafi. É servidor do BC.
Renato Dias de Brito Gomes
Diretor de Organização do Sistema Financeiro
De 26/4/2022 (indicado por Bolsonaro) a 31/12/2025
Graduado e mestre pela PUC-Rio. Também estudou nos EUA e França. Foi professor e pesquisador.
Mais que política
Lula, além de lidar com diretores do BC que ele não indicou, precisará também lidar com diretores que pensam diferente. O presidente é ex-operário e sindicalista, pertence a um partido declaradamente de esquerda. Já os diretores do BC são majoritariamente economistas e administradores formados em universidades reconhecidamente liberais e têm histórico profissional vinculado ao mercado financeiro.
O economista Eric Gil Dantas, do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais (Ibeps), analisou durante seu doutorado o perfil acadêmico e profissional dos diretores do BC entre o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e de Dilma. É também autor de um dos artigos do livro Os Mandarins da Economia: Presidentes e Diretores do Banco Central Do Brasil (Editora Almedina, 2023). Segundo ele, profissionais formados em universidades progressistas dificilmente chegam à diretoria do BC e, portanto, ao Copom.
“Se você estuda na Unicamp [Universidade Estadual de Campinas], você não vai ao Banco Central; se você estuda na UFRJ [Universidade Federal do Rio de Janeiro], você não vai ao Banco Central”, afirmou. “Agora, se você estuda na PUC-Rio [Pontifícia Universidade Católica do Rio] ou FGV-Rio [Fundação Getúlio Vargas], aí você tem muito mais chance, assim como se você estudou em universidades grandes e ortodoxas dos Estados Unidos.”
Dantas também afirmou que, no Copom, o presidente do BC e cada diretor têm direito a um voto. Entretanto, há diretores cujo posicionamento têm influência sobre a opinião dos demais justamente porque são os diretores responsáveis por monitorar variáveis decisivas para a definição da taxa básica de juros. São eles: o diretor de Política Monetária, de Política Econômica e o de Assuntos Internacionais.
Dantas explicou que esses diretores são historicamente oriundos do mercado financeiro. Hoje, isso não é diferente. Aliás, dos nove membros do Copom, quatro saíram de bancos de investimentos. O presidente do BC, aliás, foi operador na Bolsa de Valores e executivo do banco Santander e do banco Bozano Simonsen.
Pesquisa do instituto Quaest divulgada na quarta-feira (15) indica que, para 59% dos executivos de grandes fundos de investimento do país, 13,75% ao ano é a taxa ideal para a Selic no país. Dentre os executivos, 94% confiam pouco ou nada no presidente Lula; 68% confiam muito em Roberto Campos Neto.
“Para quem vende empréstimos, o ideal é que a renda do cidadão médio esteja sempre deprimida, de modo que ele precise sempre recorrer a empréstimos. Para quem especula, não pode haver estabilidade macroeconômica e financeira porque isso elimina as oportunidades de ganhar com variação de preços”, comentou o economista Daniel Conceição, professor da UFRJ.
Porta giratória
Dantas e Faiad chamam atenção ainda para algo mais preocupante sobre essa relação entre diretores do BC e o mercado financeiro. Segundo Dantas, membros do Copom saem do mercado para decidir a Selic e voltam para ele depois que deixam o BC. Enquanto estão no órgão, atuam para se “cacifar” para posições de relevância no setor privado. Agem, portanto, para beneficiar seus futuros empregadores.
“Um diretor do BC ganha R$ 30 mil. No mercado, vai ganhar R$ 100 mil. Muitos estão ali para aumentar seu capital político e social para conseguir um trabalho melhor”, alertou Dantas. “A taxa de juros beneficia diretamente os bancos. A cada 1 ponto percentual, o governo gasta cerca de R$ 20 bilhões a mais com juros. E essa remuneração vai principalmente para o mercado financeiro, que é o principal detentor da dívida.”
Para minimizar essas dúvidas que pairam sobre o Copom é que Faiad defende uma composição mais plural da diretoria do BC, formada cada vez mais por servidores de carreira do órgão, que não têm ligações com instituições financeiras.
“Não adianta o BC ter uma autonomia na lei se, na prática, o pensamento e as relações dos diretores são todas vinculadas com o mercado”, disse ele. “Se vem muita gente do mercado, as decisões podem ter interesses outros que não técnicos.”
Decisão de Lula
Dos quatro membros do Copom que Lula poderá trocar durante seu governo, dois já têm mandato expirado: Paulo Souza e Bruno Fernandes. Só seguem opinando sobre a Selic porque o presidente não decidiu se vai reconduzí-los ou apontará novos nomes.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), já disse ter enviado a Lula três sugestões para a diretoria do BC. Dentre elas, estariam nomes do mercado e da academia. Caberia, agora, a Lula decidir pelas indicações.
Dantas não acredita que Lula não vá ousar em suas escolhas. Manterá, assim, o perfil histórico do Copom.
“Lula mudou em alguns pontos, principalmente nesse enfrentamento ao mercado. Mas não vi nenhuma sinalização de que ele colocaria ali alguém com outro perfil”, disse.
Todos os indicados pelo presidente precisam ser aprovados numa sabatina no Senado antes de assumirem o cargo.