Os MEIs (microempreendedores individuais) já representam 10% dos contribuintes da Previdência Social no país, mas apenas 1% da arrecadação do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), num indicativo de que a ampliação do regime tributário simplificado acabou fragilizando a base de arrecadação do INSS, uma vez que . O dado é considerado preocupante, sobretudo em um contexto de déficit na Previdência. O rombo do INSS chegou a R$ 261,3 bilhões no ano passado, o equivalente a 2,7% do PIB (Produto Interno Bruto).
O estudo sobre a representatividade do MEI na arrecadação do INSS foi realizado pelos pesquisadores Rogério Nagamine Costanzi, ex-subsecretário do Regime Geral de Previdência Social, e Mário Magalhães, cientista social e assessor do Departamento do RGPS (Regime Geral de Previdência Social) no Ministério da Previdência Social, em artigo publicado pela Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas) e por reportagem da Folha de Folha de S Paulo.
Quanto maior é esse desequilíbrio entre arrecadação e pagamento da Previdência, maior é o esforço que o governo precisa fazer para arrecadar outros tributos e gastar menos com as demais políticas para conseguir manter as contas em trajetória saudável. A arrecadação líquida do RGPS (Regime Geral de Previdência Social) como proporção do PIB era 5,16% em 2007, chegou ao pico de 5,84% do PIB entre 2014 e 2015, quando passou a cair continuamente. Em 2021, ficou em 5,19% do PIB, retomando o patamar de 14 anos antes.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, prevê um déficit de R$ 107,6 bilhões em 2023, mas o rombo na Previdência é estimado em R$ 261,4 bilhões —com tendência de alta, por causa do novo reajuste do salário mínimo.
Além da erosão das receitas da Previdência Social, a expansão acelerada do MEI não levou a maiores índices de formalização. Segundo os autores, houve uma migração de pessoas que já eram contribuintes da Previdência em outras modalidades, como trabalhador com carteira assinada ou contribuinte individual sem subsídio (que paga alíquota de 11% ou 20%, dependendo da modalidade).
Os pesquisadores defendem mudanças no regime para barrar a expansão acelerada desse tipo de segurado, promover “correção de rumos” e minimizar prejuízos “normalmente negligenciados pelos interesses eleitorais de curto prazo”.
MEI conta com modelo de alíquota subsidiada para a arrecadação do INSS
O MEI foi criado no fim de 2008 sob a bandeira de tirar empreendedores da informalidade. O principal atrativo do modelo é o acesso a benefícios como aposentadoria e auxílio-doença mediante o recolhimento unificado de tributos federais, estaduais e municipais, com alíquotas subsidiadas.
A parcela da Previdência, por exemplo, corresponde a 5% do salário mínimo (hoje em R$ 1.302), o equivalente a R$ 65,10 mensais. A cobrança é menor do que a incidente sobre trabalhadores com carteira assinada, que pagam entre 7,5% e 14%, sem contar a contribuição do empregador, de 20% sobre o valor do salário. O desconto para os trabalhadores é feito por meio de um cálculo progressivo, conforme as faixas salariais.
Diante das facilidades e da precarização do trabalho, principalmente depois da reforma trabalhista do governo Temer, o regime do MEI passou a atrair um número cada vez maior de inscritos. No fim de 2022, eram 14,8 milhões de microempreendedores, embora nem todos mantenham suas contribuições em dia.
O Congresso também facilitou as condições para que mais trabalhadores pudessem se enquadrar na categoria, elevando o limite de faturamento anual dos originais R$ 36 mil para R$ 81 mil no fim de 2021 —um ganho de 125%, mais que a inflação do período (112,15%).
Já há projetos em tramitação no Congresso para ampliar ainda mais esse limite, com valores entre R$ 130 mil e R$ 145 mil —com impactos sobre a receita tributária do governo.
Os pesquisadores mostram que, entre 2011 e 2021, o número médio mensal de contribuintes do INSS teve um aumento de 13,4%, mas o principal ganho veio dos MEIs, cuja expansão foi de expressivos 764,2% no mesmo período. Eles saíram de uma média de 581 mil contribuintes mensais em 2011 para 5 milhões ao final do período.
Em outro estudo, Nagamine havia detectado que 56% dos MEIs inscritos entre 2009 e 2014 já haviam realizado alguma contribuição à Previdência Social em momento anterior ao seu ingresso no regime simplificado, percentual que sinaliza a migração expressiva de trabalhadores.
Como resultado, o MEI vem crescendo em participação no número total de segurados da Previdência. Em 2011, os microempreendedores eram 1,2% da média mensal de contribuintes do INSS. Em 2021, a proporção subiu a 9,3%.
Quando considerada a quantidade de segurados que fizeram ao menos uma contribuição no ano, os MEIs representavam 1,6% do total do RGPS em 2011 e 10,6% uma década depois.
Enquanto isso, houve queda em modalidades como empregado doméstico com carteira (-13,3%) e contribuinte individual com plano completo, sem subsídio (-3,7%). A média de contribuintes entre trabalhadores com carteira assinada, público que reúne o maior número absoluto de segurados do INSS, subiu no período, mas em ritmo mais tímido: 6,2%.
Outro indício de que o MEI não impulsionou a formalização é o fato de que a cobertura previdenciária medida pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) pouco se alterou nos últimos anos. No fim de 2022, a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua indicava que 64,7% dos trabalhadores contribuíam para a Previdência, patamar até inferior aos 66% observados no fim de 2015.
Criação da lei dos microempreendedores foi distorcida
A ideia de levar para a formalidade milhões de pessoas que ganhavam a vida com pequenos comércios ou prestando os mais variados tipos de serviço por conta própria – de cabeleireiras a mecânicos de carro -, sem direito a aposentadoria ou a benefícios previdenciários em caso de gravidez, doença ou acidente foi, infelizmente, desvirtuada.
O problema é que o mundo do trabalho está sendo firmado em relações precárias, temporárias, flexíveis, baseadas na informalidade ou em diversas modalidades de trabalho nas quais o trabalhador se formaliza como pessoa jurídica para trabalhar em uma empresa, sem gerar custos trabalhistas, sendo contratado de acordo com as demandas variáveis das empresas.
De um outro lado, os que “tocam” seus pequenos negócios também não podem ser chamados de empreendedores. Especialistas explicam que empreendedor seria aquele que tem condições financeiras de ter um capital para que possa ampliar esse mesmo capital, ou seja, ampliar seus lucros, sua acumulação.
Hoje, o conceito de empreendedor está sendo distorcido. O que se observa é o desespero econômico que faz com que muitos optem pelo trabalho autônomo, que é diferente de empreendedorismo. Seria preciso que fossem feitas mudanças no regime dos microempreendedores para garantir que o sistema cumpra sua vocação de inclusão social.
Redação ICL Economia
Com informações da Folha de S Paulo